A Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) emitiu um recente parecer sobre a capacidade econômica da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) em atender as metas do novo marco regulatório, aprovado às pressas pelo governo federal em plena pandemia em 2020. Esta lei é considerada uma manobra para entregar este serviço para exploração privada, entregando um setor essencial para a comunidade nas mãos de empresas.

O serviço de saneamento é um dos serviços regulados pela Agência que tem por obrigação legal em sua instituição “garantir a harmonia entre os interesses dos usuários, concessionários”. Pelo menos deveria ter, como veremos a seguir sob pena de emitir farsas em seus pareceres.

Os usuários da Corsan colocam em torno de R$ 15 milhões por ano nos cofres da Agência por meio da tarifa, recurso que mantém a estrutura e paga salários de conselheiros.

A lei determina que a Agência é a responsável por dizer se a concessionária terá condições, ou não, de cumprir as metas de cobertura de água e esgoto determinadas pela nova lei do saneamento que determina 99% de cobertura de água e 90% de esgoto até 2033.

No processo 000916-39.00/21-7 da Agência, com voto do seu Conselho Superior exarado no último dia 15 de março, está escrito que a Corsan tem condições de cumprir as metas, desde que atrelada à privatização. Ou seja, a Agergs afirma que a empresa só terá condições de cumprir as metas se conseguir R$ 1 bilhão com a venda das ações.

As dúvidas sobre esse posicionamento aparecem quando a Agência diz que uma empresa que fatura acima de R$ 3 bilhões por ano, só terá condições de cumprir as metas em 12 anos se conseguir vender R$ 1 bilhão em ações.

Desde 2019 a Corsan tem imunidade tributária: não paga mais imposto de renda. Somente em 2021, R$ 126 milhões ficaram nos cofres da Companhia, valor que deve ir para melhorias nos serviços de saneamento.

A Agergs sabe que, caso aconteça a venda de ações da Corsan, a nova empresa, que então será privada, perde a imunidade tributária e volta a pagar imposto de renda.

A Agência só não cita qual seria esta “readequação” necessária. Para resguardar o interesse do usuário, que é quem sustenta a Agência e o salário dos seus conselheiros, a Agergs poderia ser bem mais transparente em seu documento. A Agência Reguladora, que deveria cuidar dos interesses dos usuários, traz um “requinte de crueldade” para cima do cidadão que paga a tarifa.

O próprio voto do Conselho Superior da Agência cita o seguinte: “Com a abertura de capital e a perda de imunidade tributária há que se readequar o cálculo da atual conjuntura e capacidade econômico-financeira da Corsan.” Ou seja: assim que as ações da Corsan forem vendidas a nova empresa passa a pagar imposto de renda e que este “novo ônus” da empresa privada deve ser imediatamente repassado à tarifa através da Revisão Tarifária Extraordinária (RTE).

Vejamos: a Agência diz que a privatização é necessária para a obtenção de R$ 1 bilhão a ser investido até 2033, ao privatizar, a nova empresa passa a ter que pagar R$ 126 milhões por ano em imposto de renda que a Companhia pública não paga.

Até 2033 a privatização coloca R$ 1 bilhão nos cofres da nova empresa privada e, ao mesmo tempo, esta empresa privada pagará R$ 1,5 bilhão em imposto de renda, que a Corsan pública não pagaria.

O que se conclui é que a Agergs diz que a privatização é necessária para a empresa conseguir R$ 1 bilhão no mercado de ações. Sabe que, se a Companhia se mantiver pública, não precisa pagar R$ 1,5 bilhão de imposto de renda. Mas omite este fato e, além disso, reconhece que ao privatizar virá imediato aumento de tarifa.

Ou seja, se não privatizar, a Corsan tem plenas condições de cumprir as metas e, muito melhor para o usuário, não precisa de aumento extraordinário de tarifa como acontecerá com a privatização. Fica a pergunta explícita à Agergs: qual a lógica da privatização? Aumentar tarifa?

Aguardamos a resposta da Agência que tem o dever legal de zelar pelos usuários. A comunidade gaúcha não só merece saneamento público de qualidade sem ser extorquido por empresas que só visam lucro, mas merece controle público confiável e órgãos reguladores éticos e comprometidos com a cidadania. (*) Rogério Ferraz é Diretor de Divulgação do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Estado do Rio Grande do Sul – Sindiágua/RS.