Artigo: Luiz Alberto Rocha*
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O saneamento nacional pós-novo marco tem centralizado as decisões nas mãos de governadores e silenciado municípios

No dia 4 de abril, estive presente à audiência pública do projeto de concessão do saneamento da microrregião de saneamento do estado de Rondônia (https://www1.folha.uol.com.br/folha- topicos/rondonia-estado/). O projeto é contratado junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) https://www1.folha.uol.com.br/folha-topicos/bndes/).

Muitos problemas vieram à tona, com destaque para a perda de autonomia dos municípios para tratar da política pública de saneamento (https://www1.folha.uol.com.br/folha-topicos/saneamento/). O tema ganhou ainda maior relevo porque foi trazido pelos diversos prefeitos e deputados estaduais presentes.

Mas me deixe explicar o fundamento do debate. De um lado, o BNDES elaborou estudo de viabilidade econômica, privilegiando a atratividade econômica para os investidores privados, que concluiu que o modelo adequado para o estado de Rondônia era de formação de uma única área de concessão de saneamento que contemplasse todos os municípios rondonienses.

Para que o projeto se viabilizasse, era importante que o poder de decisão se concentrasse em apenas um ator público, o que levou à aprovação da lei da microrregião de saneamento em que a titularidade da operação de saneamento foi assumida formalmente pelo Colegiado Microrregional. Sendo que o estado de Rondônia detém 45% dos votos, enquanto todos os municípios rondonienses dividem os outros 55%.

Segundo a tese do BNDES, a centralização no estado é necessária para evitar divergências regulatórias e garantir segurança jurídica possibilitando a atração dos investimentos bilionários para garantir a universalização do saneamento em 2033 (https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/04/universalizacao-do-saneamento-daqui-a- 8-anos-esta-ameacada-e-consumidor-pagara-mais.shtml).

E aí que se encontra a divergência. Os prefeitos argumentam que, ao transferir a competência do saneamento —que tradicionalmente lhes é atribuída— para o Colegiado Microrregional e, ao mesmo tempo, atribuir uma grande proporção de votos para o estado, o resultado é o alijamento dos municípios (https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2025/04/chuva-e-outros- problemas-hidrologicos-deixaram-mais-de-3400-mortos-em-30-anos-no-brasil-diz-estudo.shtml) das decisões sobre o saneamento.

Na prática, sustentam os prefeitos, o estado controla politicamente o Colegiado Microrregional porque facilmente conquista os votos faltantes para fechar a maioria e pode decidir como bem entende. Como bem entende porque as decisões do estado muitas vezes vão contra o interesse público dos municípios.

E dizem mais: que, pelo projeto de concessão elaborado pelo BNDES, o Colegiado Microrregional delega ao Estado todas as decisões sobre a modelagem do projeto até o dia do leilão, e os municípios não sabem nem mesmo o que se passa no setor.

Isso afeta principalmente aqueles que têm serviços próprios de saneamento que, diferentemente do senso comum, entregam bons índices de cobertura.

A reclamação me pareceu legítima, e acrescento que a mesma usurpação de competências vem acontecendo, sem maior alarde da sociedade e do Poder Judiciário, em praticamente todos os estados que adotaram o mesmo modelo de microrregião de saneamento, e são muitos de Norte a Sul.

A realidade do saneamento nacional pós-novo marco

(https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/02/aos-30-anos-lei-das-concessoes-soma-impactos-  em-infraestrutura-e-passa-por-renovacao.shtml) tem mostrado o desenvolvimento do modelagens voltadas ao mercado que centralizam a titularidade política das decisões do setor nas mãos dos governadores, com silenciamento dos municípios menores e maiores, inclusive as capitais.

A aposta dessa política pública, apoiada pelo governo federal via BNDES, é alta, concentradora e pouco democrática. Como toda a centralização decisional, deixa de fora todas as singularidades que pontuam esse imenso Brasil e não captura a riqueza de sua diversidade hidrográfica, social e cultural.

A universalização prometida à população em 2033 não vai tardar em demonstrar se a aposta deu certo ou se, como em outros setores do serviço público, os investimentos contratados não virão na escala prometida e a população pagará a conta do aumento das tarifas.

* Luiz Alberto Rocha – Professor associado da Faculdade de Direito da UFPA (Universidade Federal do Pará),  advogado e assessor jurídico da FNU

Publicado originalmente em Folha de S. Paulo em 24/4/2025