Governo entreguista não se cansa de dilapidar o patrimônio público. Leia a matéria publicada originariamente no Jornal O Globo.

Herança dos tempos de bonança das estatais e fruto de decisões administrativas questionáveis do passado, a Eletrobras e suas subsidiárias acumulam uma série de imóveis espalhados pelo país. A empresa, que está se preparando para ser privatizada, “descobriu” esse ativo milionário durante sua reestruturação. O plano de negócios da companhia lista imóveis que incluem prédios inteiros, andares em edifícios, terrenos, um hotel e até um posto de gasolina que a direção pretende vender. Segundo levantamento da empresa, eles podem render entre R$ 260 milhões e R$ 500 milhões.

A gestão de patrimônio é comum em grandes empresas, mas o que chama a atenção no caso da Eletrobras é que, entre os seus imóveis, estão itens inusitados como um terreno desocupado há mais de uma década em plena região central do Rio. A alienação do espólio entrou no plano de negócios da empresa, mas até agora nenhum cronograma foi anunciado.

TERRENO DE R$ 100 MILHÕES NO CENTRO DO RIO

O imóvel mais valioso fica no Rio. Trata-se de um terreno de quase dez mil metros quadrados na Lapa, cuja avaliação é de cerca de R$ 100 milhões. Ali seria construída a sede da Eletrobras, um espigão de 44 andares que chegou a ser projetado. No entanto, restrições de zoneamento inviabilizaram o projeto, e o espaço está ocioso há anos. Em 2010, a prefeitura chegou a mudar as regras para licenciar o projeto, mas a estatal desistiu em meio às críticas que o plano levantou.

O andar de um edifício comercial da Avenida Presidente Vargas ocupado hoje pelo Centro da Memória da Eletricidade, uma unidade de documentação da estatal, também deve ser colocado à venda. No dia em que O GLOBO esteve no local, o espaço estava fechado. Também estão na lista ao menos outros dois andares em edifícios corporativos na mesma avenida do Centro do Rio que integram o patrimônio da estatal.

As subsidiárias também têm ativos imobiliários curiosos, que devem ser colocados à venda. A Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf ), por exemplo, é dona de um posto de gasolina, e a Eletronorte, de um hotel, mas as subsidiárias não dão detalhes sobre a localização e a atual condição deles. Procurada, a Eletrobras não quis falar sobre o assunto.

— As razões para que uma estatal acumule esse tipo de imóvel são várias, mas podem ser resumidas pela expressão má gestão. Foram decisões políticas tomadas no meio do caminho que levaram a isso — avalia Leonardo Miranda, sócio do TozziniFreire Advogados, especializado em energia.

DECRETO DE 2017 DEVE AGILIZAR VENDA DE ATIVOS

A venda desses imóveis entrou na pauta da Eletrobras desde que o atual presidente da estatal, Wilson Ferreira Jr., assumiu o cargo, em julho de 2016, e iniciou uma reestruturação da empresa. O impulso que faltava para a concretização do plano veio no fim do ano passado, quando o governo federal estabeleceu regras mais ágeis para a venda de bens de empresas públicas e de economia mista por meio do decreto 8.945. A Eletrobras só precisa agora definir o modelo para o processo de concorrência pública a ser adotado para que cada um desses ativos seja vendido, mas ainda não conseguiu estabelecer um programa de alienação.

Desfazer-se de imóveis ociosos, que geram custos de manutenção e impostos, é apenas um dos planos da atual gestão para tornar a empresa mais eficiente e reduzir despesas. Há uma série de outras medidas de redução de custos em curso, como o planejamento de um segundo plano de demissão voluntária para reduzir gastos com pessoal.

A Eletrobras é dona de uma dívida bilionária. No fim do terceiro trimestre do ano passado, era de R$ 45,1 bilhões. Considerando a dívida líquida (que abate do total os recursos em caixa), o valor é de R$ 22,7 bilhões, pouco acima de quatro vezes a geração de caixa da empresa medida pelo lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda). Quando Ferreira assumiu, essa relação estava acima de oito vezes, o que indicava uma companhia fortemente alavancada. O ideal seria ficar mais próximo de três, que é a relação dívida/Ebitda de empresas privadas do setor de energia.

— Para um processo de privatização, quanto mais enxuta a empresa estiver, maior será o valor que essa empresa vai atingir. Mas, independentemente de uma privatização, o fato é que nenhuma empresa deve manter bens que não são efetivamente necessários para o serviço público — explicou Fabiano Brito, especialista em energia e sócio do Mattos Filho.

CTEEP TEVE DE CEDER TERRENO À DELEGACIA

O especialista em gestão Luiz Marcatti, sócio da Mesa Corporate Governance, diz que uma empresa do porte da Eletrobras, que tem muitos acionistas, precisa estabelecer objetivos claros para que os executivos concentrem suas energias no que será essencial para o crescimento e sustentabilidade do negócio.

— A atual gestão está tentando recuperar a empresa e torná-la mais competitiva. O caminho é o correto, o que pode facilitar a privatização mais à frente, mas não é uma solução de curto prazo, já que a empresa é gigante — disse.

A dificuldade de se desfazer de imóveis sem serventia não é exclusividade da Eletrobras. Grandes empresas que foram privatizadas enfrentaram situação similar. A CTEEP, que pertencia à paulista Cesp, por exemplo, foi vendida com uma série de terrenos no seu patrimônio. A empresa, no entanto, não pôde vendê-los porque neles se instalaram órgãos públicos, como delegacias de polícia. O jeito foi fazer a cessão dos terrenos, sem custos, para que delegacias (uma no centro de São Paulo e outras duas no interior) instaladas nesses locais continuassem a funcionar.

Apesar de contar com o portfólio imobiliário para fazer caixa em seu plano de negócios, a principal aposta da Eletrobras para equalizar sua dívida é a venda de ativos na área energética. Antes mesmo da privatização, que se for aprovada pelo Congresso deve ocorrer por meio da diluição da participação da União no seu capital com a oferta de novas ações, a Eletrobras espera vender seis distribuidoras nas regiões Norte e Nordeste. O governo espera arrecadar R$ 12 bilhões com a privatização, mas o plano enfrenta resistências de funcionários e da bancada nordestina no Congresso.

O plano de privatização por meio de aumento de capital foi avaliado pela agência de classificação de risco Moody’s como uma forma de dar maior conforto financeiro à Eletrobras num momento em que o governo federal, principal acionista, não tem como dar suporte ao plano de investimentos da estatal: R$ 20 bilhões até 2022.

Para Rodrigo Calazans Macedo, sócio da área de infraestrutura do Siqueira Castro Advogados, as mudanças na governança da Eletrobras ajudarão a acelerar o processo de venda de ativos e a própria privatização. A estatal, por exemplo, se credenciou para receber o selo de boa governança de estatais da B3, a Bolsa de São Paulo.

— Não é só uma questão de certificação, mas de estar alinhado a boas práticas de conduta e transparência. Qualquer empresa que se coloque no mercado precisa ter isso — disse.