Fórum das Águas, em parceria com a Habitat para a Humanidade Brasil e movimentos sociais, se reuniu no último dia 10 de novembro para escutar lideranças comunitárias sobre a efetividade dos serviços de abastecimento de água e saneamento básico em Manaus. O evento aconteceu no auditório do Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental – SARES, organismo que atualmente coordena o coletivo.

A reportagem é de Sandoval Alves Rocha, padre jesuíta, doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, professor da Escola de Humanidades da Unisinos e Assessor do Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental – Sares, sediado em Manaus.

No evento, os representantes expuseram as visões, queixas e expectativas de diversas localidades da cidade, incluindo comunidades da periferia e indígenas. O encontro evidenciou a precariedade dos serviços na capital amazonense, que são geridos pela iniciativa privada desde o ano 2000. Na ocasião, predominou um ambiente de indignação contra a concessionária Águas de Manaus e de revolta diante da inoperância dos poderes públicos municipal e estadual.

Os comunitários destacaram situações como a ausência dos serviços de esgotamento sanitário e a falta de regularidade no abastecimento de água. Muitos bairros e comunidades sofrem sem o fornecimento público de água potável, sendo obrigados a encontrar por suas próprias forças alternativas de abastecimento hídrico. Nos lugares em que a concessionária disponibiliza o serviço, os moradores reclamam das tarifas elevadas, que impossibilitam o acesso igualitário da água potável e discriminam ainda mais as famílias pobres da cidade.

Outro destaque dos comunitários refere-se à dificuldade das famílias mais pobres obterem a tarifa social, uma vez que os critérios impostos para acessar o benefício excluem significativo contingente de famílias pobres. O Cadastro Único (CadÚnico), que contabiliza 260 mil famílias vulneráveis na cidade, não é levado em consideração pela empresa. A concessionária beneficia somente 100 mil famílias com a tarifa social ignorando, dessa forma, a imensa maioria das populações pobres da cidade.

Os serviços de esgotamento sanitário são também muito seletivos, constituindo um privilégio de poucos. A empresa disponibiliza esses serviços somente para 22% da cidade (SNIS 2020), sendo que a adesão das residências a esse sistema não chega nem a esse patamar, pois a taxa de ligação é inacessível para grande parte da população. Aqui também é possível perceber que a lógica do retorno econômico que rege a iniciativa privada ignora as populações mais pobres, preferindo investir em áreas que garantam o lucro da concessionária. Entregar esses serviços ao mercado foi uma decisão que acirrou ainda mais as desigualdades sociais em Manaus.

Nesse aspecto, as lideranças também denunciam realização de cobranças indevidas. De acordo com os participantes do evento, a empresa comumente realiza cobranças dos serviços de esgotamento sanitário em lugares em que eles não são oferecidos. Essa informação é confirmada por órgãos de fiscalização como a Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados do Município de Manaus – Ageman. A Ouvidoria dessa instituição informa que a tarifas indevidas estão entre as principais reclamações direcionadas contra a concessionária da água, no ano de 2022.

Com a gestão privada em curso, há uma compreensão de que esses serviços dificilmente serão implantados nas áreas mais pobres da cidade, uma vez que eles exigem significativos recursos para compensar os investimentos realizados pela empresa. Essa situação coloca às claras os riscos de saúde das populações que vivem nessas áreas, assim como os incalculáveis prejuízos impostos aos rios e igarapés de cidade, que recebem os esgotos de uma grande metrópole sem nenhum tipo de tratamento.

Essa realidade é preocupante, pois atravessamos um período de forte expansão das favelas e comunidades vulneráveis habitadas por pessoas de baixo poder aquisitivo. Estudo realizado pelo MapBiomas indica que nos últimos 37 anos, Manaus foi a capital do país que registrou o maior crescimento de áreas ocupadas por favelas, totalizando um território equivalente a cerca de 10 mil campos de futebol. Esse cenário dificulta ainda mais o acesso dos mais pobres à água potável e aos serviços de esgoto, uma vez que tais áreas residenciais são ignoradas pelos empresários e acionistas.

Entre os participantes do evento há uma forte percepção de que o atual contexto de dominação do mercado dificulta ainda mais a vida das populações mais pobres, visto que ele precariza a existência das classes de baixo poder aquisitivo e trabalha para abolir qualquer alternativa. O mercado do saneamento promove e reforça as desigualdades sociais, naturalizando a pobreza e a degradação ambiental. Duas décadas de privatização dos serviços de água e esgoto mostram que a qualidade de vida das comunidades pobres não obterá molharia significativa através do mercado. Tal conquista será resultado da organização dessas comunidades para criar alternativas democráticas e transparentes.

 

Fonte: Instituto Unisinos