1) Água: aspectos gerais
Em 15 de julho deste ano, foi publicada a Lei nº 14.026, que é conhecida como Novo Marco Legal do Saneamento Básico. Ela veio substituir muitos aspectos da Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que tratava do saneamento anteriormente. Quando se estuda a respeito de saneamento, discorre-se a respeito de água, um líquido precioso sem o qual não podemos viver.

Além de ser um bem ambiental, a água também exibe um forte fator social, estando incluída como um dos objetivos do milênio da ONU, as chamadas ODMs, no item que se refere à universalização e proteção das águas, estando incluída na garantia de qualidade de vida e respeito ao meio ambiente.

O Novo Marco Legal do Saneamento Básico tem sido legitimado para a sociedade com base na universalização do serviço público de distribuição de água e saneamento básico. Antes de se questionar se conceder à iniciativa privada é uma boa estratégia e se a água, como mercadoria, poderia ocasionar lucro, já que nenhuma empresa privada iria prestar o serviço de distribuição e saneamento sem ter índices de lucro, é importante contextualizar a situação atual de milhões de brasileiros em relação ao saneamento básico.

Em consulta ao sítio eletrônico do IBGE [1], observa-se, em dados do ano de 2017, que o número de municípios no país com rede de distribuição de água é de 5.548 e o número sem rede de distribuição de água é de 22. O volume de água tratada por dia é de 43.645.542 metros cúbicos e o volume sem tratamento é de 2.527.219 metros cúbicos. O número de municípios com rede de esgotamento é de 3.359 e aquele sem rede de esgotamento é de 2.211.

Em continuidade à análise de números, a população estimada do Brasil em 2020, pelos dados do IBGE [2], é de 221.755.692 habitantes. No ano de 2019 [3], o número de domicílios com rede geral como principal forma de abastecimento de água era no percentual de 85,5% e o número de domicílios com esgotamento sanitário — rede geral ou fossa séptica — ligado à rede é de 68,3%. Realizando os cálculos, são 189.601.117 de brasileiros com rede geral como principal forma de abastecimento de água e 22.154.575 sem a rede geral como principal forma de abastecimento. Quanto aos domicílios com esgotamento sanitário, o número é de 151.459.138 de habitantes com esgotamento sanitário e 60.296.554 sem o esgotamento.

Os referidos resultados não trazem a desigualdade que existe entre regiões no país em matéria de saneamento. Durante o governo Lula — 2003-2010 — foram realizados estudos sobre a situação do saneamento básico no país — e, em matéria no sítio eletrônico da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, há informação sobre as enormes desigualdades regionais: E há ainda fortes contrastes regionais no atendimento sanitário brasileiro. A rede coletora de esgoto da região Norte, por exemplo, permanece a menor do País: apenas 13% dos municípios têm a infraestrutura. Na região Nordeste, o índice é de 45%; e, no Sudeste, de mais de 95%” [4] [5].

O estudo “Panorama do Saneamento Básico no Brasil”, que teve na coordenação geral o professor Léo Heller, que em recente entrevista no sítio eletrônico do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, instituição na qual é pesquisador e, também, relator especial das Nações Unidas para água e saneamento, afirma “que não há evidências de que ampliar a participação privada seja solução para o ‘quadro dramático’ que vive o país, quanto ao acesso a saneamento básico” [6]. Além disso, Léo Heller, estudioso do assunto de saneamento básico, esclarece:

“O cenário é bastante preocupante, os argumentos dos senadores são muito frágeis e mostram ou má-fé de alguns ou despreparo de outros. O sofismo é a marca principal da racionalidade dos votos, cuja narrativa expõe a existência de um déficit enorme de saneamento no país, principalmente nas regiões Norte e Nordeste e nas favelas”, observa, ponderando que embora esse seja um diagnóstico do qual ninguém discorda, “não há casos na história do Brasil e na contemporaneidade em outros países, em que um quadro dramático como esse foi solucionado via privatização” [7].

A água é uma mercadoria que não coopera, ela é monopolista, tem seu caráter de fluxo e o que a torna difícil transformá-la em uma mercadoria a ser vendida com lucro [8]. Contudo, a água não pode ser utilizada de modo gratuito, pois há todo o custo no tratamento de efluentes, sistema de distribuição e tratamento de esgotos, o que é de fundamental importância a fim de não poluir rios e mananciais no Brasil.

O país tem um péssimo sistema de políticas públicas no que toca à gestão de água, pois os rios, que cortam as grandes metrópoles brasileiras, são na sua grande maioria poluídos, o que faz com que seja necessário buscar água de grandes distâncias, aumentando ainda mais o custo na prestação de serviço público.

Para entender o atual cenário brasileiro e a mudança que advirá com o Novo Marco do Saneamento, busca-se o exemplo da Sanepar — Companhia de Saneamento do Paraná — sediada em Curitiba. A sua natureza jurídica é de uma sociedade de economia mista e de capital aberto, controlada pelo Estado do Paraná [9]. A Sanepar é considerada uma das melhores companhias de saneamento básico do país e, segundo dados de seu sítio eletrônico, investiu R$ 4,5 bilhões nos últimos cinco anos. Além disso, ela tem investido em usina de biodigestão de alta tecnologia, com inovação tecnológica e respeitando o chamado ciclo da natureza.

É claro que o cenário do Paraná não é a realidade do Brasil, pois, conforme dito, a Sanepar é considerada uma das melhores companhias de saneamento do Paraná e há muita desigualdade entre as regiões. Contudo, seu exemplo demonstra que é possível que uma companhia de saneamento, controlada pelo estado, seja eficiente.

Outro fator que quase não tem sido trazido ao debate é a questão da poluição dos rios. No Brasil, quase 70% dos rios brasileiros sofrem com a poluição e apenas 54% dos domicílios brasileiros têm coleta de esgotos [10].  A lei não discorre sobre a despoluição dos rios e somente obriga o tratamento obrigatório dos esgotos coletados em período de estiagem enquanto durar a transição [11].

A questão da gestão integrada dentro do ciclo produtivo é extremamente importante, pois, por exemplo, se um pesticida polui a terra, tal poluição chegará ao lençol freático e contaminará as bacias hidrográficas. Em matéria ambiental, deve ser observada a chamada gestão integrada, que pouco tem sido trazida ao debate no Novo Marco Legal do Saneamento Básico.

A Lei nº 11.445, de 2007 previa uma articulação com a Política Nacional de Resíduos Sólidos — Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010 —  e percebe-se que isso foi ampliado com o advento da nova lei, sendo um aspecto positivo, já que, em matéria ambiental, tudo se interconecta e, portanto, não existem fronteiras.

Fonte: artigo da professora da UFPR, Sarah Linhares.