Artigo: Lucas Tonaco*
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A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) tem uma relevância sem precedentes na história do Brasil, pois assim como nunca, o debate sobre previsibilidade, inferência de cenários complexos, concentração, análise e difusão do controle da produção do conhecimento e também a intermediação da informação, estão em alta relevância. Se tratando atualmente da catástrofe no Rio Grande do Sul, no período das chuvas de abril e maio de 2024, a compreensão e abordagem de questões relacionadas à infraestrutura e hidrologia, especialmente diretamente a água, tanto no presente quanto no futuro. A importância dessa agência em relação a esse recurso precioso pode ser abordada de maneira contundente, acadêmica, científica e crítica, considerando comparativos internacionais, legislação, pesquisas acadêmicas e opiniões de especialistas, sobretudo no atual momento, crucial para o Brasil na geopolítica mundial. A gestão da água é uma questão crítica devido ao aumento da demanda, escassez e mudanças climáticas. No contexto nacional e global, o aumento dos conflitos relacionados à água está diretamente ligado às mudanças climáticas e à transição energética.

Temas atuais, como o antropoceno, são umbilicalmente ligado na filosofia de Estado atual, afinal, proporcionalmente na medida em que o clima se aquece e os padrões climáticos se tornam mais imprevisíveis, a disponibilidade de água pode ser crucialmente indisponibilizada, fazendo com que haja conflitos em diferentes setores da sociedade dentro destes Estados, como bem também inseridos nesta mesma sociedade, fatores difusos como econômicos, demográficos, de filosofia do Estado e até antropológicos. É importante ressaltar que esses conflitos podem variar em escala, desde disputas locais até disputas transfronteiriças, e  que as mudanças climáticas como fatores de imprevisibilidade geram portanto uma demanda de cada vez mais acurácia na criação de cenários futuros para a tomada de decisão, portanto, deixando a ABIN como um papel importantíssimo para o Brasil e para o mundo. A legislação brasileira também reforça a importância da água como um recurso estratégico para o país. A Lei nº 9.433/1997, conhecida como Lei das Águas, estabelece os princípios e diretrizes para a gestão dos recursos hídricos, é preciso também uma rediscussão incluindo a criação de comunidades de informações sobre bacias hidrográficas, bem como na centralidade de instituições específicas da gestão dos recursos hídricos, tais como a ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico), Defesa Civil, Forças de Segurança e obviamente  a capilaridade da verticalização dessas relações institucionais perante municipalidade, estados e União.

A necessidade da avaliação de panoramas globais na questão das mudanças climáticas, da água e a relevância de uma inteligência de Estado vigorosa

Estudos como o “Relatório mundial das Nações Unidas sobre desenvolvimento dos recursos hídrico:” da UNESCO/ONU e o artigo “Water and Conflict: A Toolkit for Programming” da USAID abordam a relação entre água e conflitos, inclusive sobre o prisma das mudanças climáticas. A escassez de água e a competição por recursos naturais têm se intensificado em todo o mundo, e a América do Sul não é exceção, e temos nos últimos anos sentido isso. Os conflitos por água na região são influenciados por fatores geográficos, socioeconômicos, políticos e históricos, gerando desafios adicionais para a estabilidade regional. No contexto da fonte de resolução de conflitos e na positivação – se tratando de questões internacionais, remetemos a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito dos Usos dos Cursos de Água Internacionais, adotada em 1997 que, é um instrumento internacional importante para a gestão dos conflitos sobre recursos hídricos transfronteiriços, na América do Sul, a maioria dos países adotou legislações nacionais específicas para a gestão dos recursos hídricos, como é o caso da Lei de Águas no Brasil e da Lei de Recursos Hídricos na Argentina. Rios da América do Sul, não são exceções quando se tratam de marcadores geográficos devido aos recursos cartográficos históricos, ou seja, são delimitações de fronteiras, o que leva ao aspecto das disputas transfronteiriças: várias bacias hidrográficas compartilhadas na América do Sul têm sido fontes de tensão entre países. Exemplos notáveis ​​incluem o conflito entre Peru e Chile pelo controle das águas do rio Silala e as disputas entre Brasil, Paraguai e Argentina pela gestão da hidrovia Paraguai-Paraná. O conflito entre Peru e Chile pelo controle das águas do rio Silala: Uma das disputas notáveis ​​ocorre entre Peru e Chile em relação ao rio Silala. O Peru alega que o rio Silala é uma fonte de água internacional, enquanto do outro lado o Chile argumenta que se trata de um curso de escoamento de água natural. Essa disputa tem influência para a disponibilidade de água na região de um modo grande o suficiente para impactos em questões diplomáticas, estudos sugerem que a questão do rio Silala envolve elementos históricos, políticos e legais, e que uma solução envolveu a cooperação entre os países envolvidos, obviamente gerando também conflitos étnicos, afinal, há diferenças substanciais de ambas comunidades sobre o simbolismo e a semiótica da água, na medida em que a escassez se acentua, as disputas simbólicas também. A gestão compartilhada e o desenvolvimento de negociação de diálogo são cruciais para a resolução dessa disputa.Ainda sobre o Chile além da ausência de água ter configurado a o próprio Estado como uma espécie de “barreira” advinda dos espanhóis ou povos do Peru, como exemplificação a questão histórica, geopolítica on mesmo na antropologia política do Rio Mapuche é extremamente importante na compreensão da dinâmica do povo Mapuche, Estado chileno e a discussão sobre os impactos de prismas políticos da discussão dos Estados Plurinacionais. Disputas entre Brasil, Paraguai e Argentina pela gestão da hidrovia Paraguai-Paraná: A hidrovia Paraguai-Paraná, que abrange os países da Bacia do Prata, é uma importante via de transporte fluvial na região.A gestão e o uso dos recursos hídricos nessa hidrovia têm gerado disputas entre Brasil, Paraguai e Argentina, estudos apontam que as principais questões dessas disputas envolvem a distribuição equitativa dos benefícios biológicos e a mitigação dos impactos ambientais. Tudo isso são breves exemplos de quão é necessário um maior nível de cooperação e coordenação entre os países para garantir uma gestão sustentável e justa da hidrovia, além claro de uma questão relacionada a monitoramento e segurança regional, refletindo sempre nas posições de institucionalidade de Estado, aumentando a relevância das instituições de inteligência.

O conflito da água na Bolívia, conhecido como a “Guerra da Água”, ocorreu em 2000 na cidade de Cochabamba. Na época, a empresa privada Aguas del Tunari, controlada pela corporação multinacional Bechtel, assumiu o controle do sistema de água e saneamento da cidade. A empresa aumentou as tarifas de água de forma significativa, o que gerou protestos e revoltas populares. Os manifestantes argumentam que a privatização da água prejudicaria os direitos dos cidadãos e que o acesso à água era um bem essencial que não deveria ser controlado pelo setor privado, onde o conflito se intensificou e evoluiu em confrontos violentos entre a população e as forças de segurança. Diante da pressão popular, o governo boliviano foi forçado a revogar o contrato com a empresa Aguas del Tunari e retomar o controle público do sistema de água. O conflito foi um marco significativo na luta pela soberania da água e pelos direitos dos cidadãos à água potável na Bolívia e  despertou a atenção internacional e foi um exemplo emblemático das tensões entre os interesses dos povos indígenas e os direitos das comunidades originárias em relação aos recursos hídricos. Esse fenômeno deixou evidente a importância da participação pública na tomada de decisões sobre a gestão da água e a necessidade de abordagens mais inclusivas e justas para garantir o acesso equitativo à água potável, e quão é relevante um Estado moderno ter a compreensão de como uma determinada sociedade simboliza a água, na mediação inclusive de conflitos que podem ter escaladas inimaginavelmente projetadas .Outro exemplo é a Venezuela, que enfrenta uma série de complicações relacionados à água, que originaram para um contexto complexo e difícil no país, embora não haja um conflito específico sobre a água na Venezuela, existem problemas relacionados à escassez de água, à degradação da infraestrutura hídrica e à falta de acesso adequado à água potável em muitas regiões, onde há também exemplos de alterações climáticas.

As mudanças climáticas na América do Sul estão relacionadas a uma série de fenômenos climáticos que afetam a disponibilidade e a gestão dos recursos hídricos. Alguns exemplos de fenômenos climáticos que ocorreram e estão se agravando na região são, são as Secas prolongadas, onde a região sentiu secas várias com sazonalidade alterada nos últimos anos.O Sudeste do Brasil passou por uma grave crise hídrica entre 2014, 2015 e 2016, afetando o abastecimento de água nas grandes cidades, a agronegócio e a geração de energia hidrelétrica.Também o aumento da frequência e intensidade de chuvas intensas, onde têm se tornado mais frequentes em várias partes da América do Sul, causando inundações e chuvas de terra. Em 2017, por exemplo, a região costeira do Peru foi atingida por chuvas torrenciais, causando enchentes generalizadas e desabamentos, tal qual no Rio Grande do Sul em abril e maio de 2024. Aquecimento global e derretimento de geleiras, na região, especialmente as geleiras andinas estão em tamanho e volume devido ao aquecimento global e isso tem direção direta para a disponibilidade de água nas regiões montanhosas, afetando os rios e as bacias hidrográficas que dependem do escoamento das geleiras para o abastecimento de água. As mudanças climáticas também contribuíram para o aumento da ocorrência de incêndios florestais na América do Sul. Na Amazônia brasileira, por exemplo, os incêndios têm se intensificado, ocorrendo em risco a biodiversidade, o ecossistema e os recursos hídricos da região. Esses fenômenos climáticos estão interligados e têm impacto direto na disponibilidade, qualidade e gestão dos recursos hídricos na América do Sul. A escassez de água, as inundações, o derretimento de geleiras e os incêndios florestais representam desafios significativos para a segurança hídrica na região e resistência às medidas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas.

Na América Central, uma região caracterizada por sua riqueza hídrica, os conflitos relacionados à água têm despertado preocupações históricas desde de questões relacionadas poder hidropolítico e das relações hidrossociais, onde destaca-se o papel dos recursos hídricos como uma ferramenta de poder geopolítico e seu importante impacto no Canal do Panamá sobre o prisma do controle sobre os recursos hídricos pode ser usado como uma vantagem estratégica para influenciar a política, a segurança e a economia de uma região, afinal, essa abordagem considera os recursos hídricos como um fator-chave nas relações internacionais e na competição entre os estados.

Na América Central, a regulação e a gestão da água são fundamentais para evitar conflitos e promover a segurança hídrica na América Central. Acadêmicos têm observado os conflitos por água na América Central, analisando as causas subjacentes e suas emanações. Os principais fatores que criaram para esses conflitos são o crescimento populacional, a urbanização acelerada, a degradação ambiental e as mudanças climáticas. A escassez de água é agravada pela sobreexploração de aquíferos e pela contaminação da água. Esses problemas têm efeitos socioeconômicos e podem gerar tensão entre comunidades e países. A teoria do “water grabbing” de Zeitoun e Warner destaca como os atores geopolíticos buscam controlar os recursos hídricos em detrimento de outros países ou comunidades, levando a conflitos e desigualdades. Ourtora a teoria do “hidro-hegemonismo” de Swyngedouw argumenta que os países dominantes da região podem exercer o poder político e econômico através do controle dos recursos hídricos, levando a exportação e crescimento entre as nações. Disputa pelo rio San Juan: A Nicarágua e a Costa Rica têm enfrentado forte em relação ao rio San Juan, que serve como uma fronteira natural entre os dois países. Há disputas sobre a utilização e gestão dos recursos hídricos do rio, bem como questões relacionadas à navegação e à soberania. Na América Central, conflitos sobre águas subterrâneas, como a  sobreexploração de aquíferos compartilhados tem se agravado em vários países da América Central, como Honduras, El Salvador e Guatemala. A diminuição dos lençóis freáticos e a contaminação da água levaram a disputas entre comunidades, agricultores e empresas.Além, também das disputas por recursos hídricos transfronteiriços onde existem conflitos entre países vizinhos sobre a utilização e gestão de rios compartilhados, como o rio Lempa, que passa por Honduras, El Salvador e Guatemala, questões relacionadas ao abastecimento de água, geração de energia e irrigação agrícola têm gerado tensões e desafios demais para a cooperação regional também. As mudanças climáticas na América Central afetam a região e estão relacionadas a uma série de fenômenos climáticos que estão modificando. Alguns exemplos desses fenômenos climáticos na América Central são os furacões mais intensos, afinal, a América Central e América do Norte são vulneráveis a furacões, e as mudanças climáticas contribuíram para a intensificação desses eventos. Furacões como o furacão Mitch em 1998 e o furacão Harvey em 2017 causaram devastação generalizada na região, tiveram em inundações, características de terra e destruição de infraestrutura, incluindo sistemas de abastecimento de água. A região também enfrenta períodos prolongados de seca, que se agravaram devido às mudanças climáticas, afetando também a disponibilidade de água para consumo humano, agrícola e geração de energia hidrelétrica. A seca de 2014-2016 na América Central teve impactos na agricultura e na segurança alimentar da região

A América do Norte, especificamente, enfrenta desafios persistentes relacionados à gestão e disponibilidade de recursos hídricos, que levaram a conflitos em diferentes partes da região. A economia de água, o compartilhamento de rios transfronteiriços e a competição por recursos hídricos geraram tensões geopolíticas e questões relacionadas à segurança hídrica. Disputa sobre o Rio Colorado entre Estados Unidos e México, um rio importante e transfronteiriço que flui através dos estados dos EUA e do México. Há muito tempo, os dois países têm enfrentado disputas sobre a distribuição da água desse rio. O Tratado das Águas de 1944 foi estabelecido para regulamentar o uso e a partilha das águas do Rio Colorado entre os dois países. No entanto, a escassez de água e as demandas crescentes têm gerado estresse e desafios na implementação do tratado.

O Rio Grande é outro rio transfronteiriço que separa os Estados Unidos e o México. A gestão da água desse rio tem sido motivo de tensão entre os dois países. O Tratado de Águas Internacionais de 1944 também estabeleceu regras para a distribuição de água do Rio Grande, mas a competição por recursos hídricos e as demandas agrícolas geraram conflitos e desafios em sua implementação. Disputas entre os estados dos EUA sobre o Rio Colorado: Além das tensões com o México, os estados dos EUA que dormiram no Rio Colorado também enfrentam conflitos internos relacionados à água. A gestão dos recursos hídricos e a alocação de água entre os estados do Colorado, Wyoming, Utah, Novo México, Arizona, Nevada e Califórnia geraram disputas legais e políticas. O Rio Columbia é um importante rio que flui através dos estados dos EUA e províncias do Canadá. O Tratado do Rio Columbia de 1964 foi estabelecido para regular o uso e a partilha das águas do rio, mas questões como a geração de energia hidrelétrica, a pesca e as necessidades de irrigação têm causado estresse e fenômeno contínuo.

A normatividade institucional desempenha um papel fundamental na governança dos recursos hídricos na América do Norte. Um exemplo notável é o Tratado das Águas de 1944 entre os Estados Unidos e o México, que estabelece a distribuição de água dos rios Colorado e Grande. Otratado representa um exemplo bem-sucedido de cooperação e compartilhamento de água entre dois países, apesar de alguns desafios persistentes. As perspectivas acadêmicas contribuíram para a compreensão dos conflitos por água na América do Norte. Por exemplo, a teoria da hidro-hegemonia destaca o papel do poder geopolítico na gestão dos recursos hídricos transfronteiriços. Segundo os autores, “os países dominantes podem exercer influência sobre os países menores por meio do controle dos recursos hídricos, o que pode levar a tensões e conflitos”. Essa teoria ajuda a explicar as dinâmicas geopolíticas envolvidas nos conflitos por água na região. As teorias de inteligência do Estado também são relevantes para compreender os conflitos por água na América do Norte. Por exemplo, a teoria dos jogos aplicada aos recursos hídricos pode ajudar a analisar as estratégias e ações dos atores envolvidos. Os Estados devem considerar cuidadosamente os incentivos e as consequências das suas decisões em relação aos recursos hídricos compartilhados para evitar conflitos futuros.

No que cerne às alterações climáticas e a água na América do Norte, verifica-se secas prolongadas e diminuição da disponibilidade de água, regiões como o sudoeste dos Estados Unidos, incluindo estados como Califórnia, Arizona e Nevada, já enfrentam secas prolongadas nos últimos anos. Essas secas são agravadas pelas altas temperaturas e mudanças nos padrões de chuva. Como resultado, os recursos hídricos dessas áreas estão sob pressão, levando a conflitos e tensões entre diferentes setores, como agricultura, indústria e abastecimento público de água. A América do Norte tem experimentado um aumento na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como tempestades diversas, inundações e furacões. Por exemplo, o furacão Katrina, que atingiu a região do Golfo do México em 2005, resultou em grandes inundações e danos à infraestrutura hídrica, afetando o fornecimento de água potável e a gestão dos recursos hídricos. Redução do fornecimento de água devido ao derretimento das geleiras: As mudanças climáticas estão acelerando o derretimento das geleiras nas Montanhas Rochosas e na Cordilheira do Alasca, fazendo uma redução no abastecimento de água proveniente do escoamento sazonal das geleiras, afetando as bacias hidrográficas e os sistemas de abastecimento de água em várias regiões.O derretimento acelerado das geleiras está afetando os sistemas de irrigação no oeste dos Estados Unidos, onde a agricultura depende fortemente da água das geleiras. Intrusão salina e aumento do nível do mar: O aumento do nível do mar é uma consequência direta das mudanças climáticas e pode levar à intrusão de água salgada em aquíferos costeiros e lençóis freáticos. Isso afetou a disponibilidade de água doce em regiões costeiras, como partes da Flórida e das áreas costeiras do Canadá, gerou conflitos sobre o acesso a água potável.

Com relação ao continente Africano, na Bacia do Nilom um dos conflitos mais proeminentes relacionados à água na África ocorre na a região do Sahel, onde competição por recursos hídricos em uma região árida e semiárida como o Sahel elevou os conflitos entre grupos étnicos, comunidades locais e até mesmo entre países. Disputas sobre o controle de rios transfronteiriços, como o Níger, aumentam as tensões geopolíticas entre as nações através da questão de estudo pode examinar o impacto da escassez de água no Sahel no contexto econômico de Burkina Faso também. Na bacia do Nilo, que envolve países como Egito, Sudão, Etiópia, Quênia, Uganda, Tanzânia, Ruanda e Burundi. O principal ponto de discórdia é o projeto de construção da Grande Barragem do Renascimento Etíope (GERD, na sigla em inglês) pela Etiópia no rio Nilo Azul. O Egito e o Sudão, países do rio abaixo, têm preocupações sobre o impacto da barragem em seu abastecimento de água e na agricultura. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito dos Usos dos Cursos de Água Internacional (1997) estabelece princípios básicos para a utilização equitativa e razoável da água compartilhada entre diferentes países. No entanto, a bacia do Nilo carece de um acordo juridicamente vinculativo, o que dificulta a resolução dos conflitos. De acordo com a teoria do realismo clássico, a luta pelo acesso à água na bacia do Nilo pode ser vista como um reflexo das rivalidades geopolíticas e do jogo de poder entre os Estados envolvidos. Teóricos como Thomas Homer-Dixon argumentam que a escassez de água pode ser um fator desencadeante para conflitos violentos.

Na Bacia do Rio Níger, que atravessa países como Nigéria, Mali, Níger e Guiné, também enfrenta conflitos relacionados à água. A construção de represas, uso excessivo da água para irrigação e mudanças climáticas contribuíram para disputas entre comunidades e países ribeirinhos. A Comissão do Rio Níger (Niger Basin Authority) foi estabelecida em 1980 para promover a cooperação entre os países da bacia. No entanto, ainda não existe um acordo abrangente sobre o uso sustentável dos recursos hídricos na região. A teoria do desenvolvimento sustentável destaca a importância de uma gestão integrada dos recursos hídricos na bacia do rio Níger. A abordagem de governança participativa e o fortalecimento das instituições regionais podem ajudar a resolver conflitos e promover uma distribuição equitativa da água. Lago Chade: a região do Lago Chade, compartilhada pela Nigéria, Níger, Chade e Camarões, onde a secou finalmente, após anos de alertas científicos e projetos de cooperação internacional fracassados. Secas prolongadas: A seca é um fenômeno recorrente na África e pode levar à economia de água, prejudicando a agricultura, o abastecimento doméstico e a atividade econômica. Um exemplo notável é a seca que ocorreu entre 2011 e 2012 no Corno de África, afetando principalmente a Somália, Etiópia, Quênia e Djibuti. Essa seca resultou em escassez de água, perda de colheitas, fome e migração forçada, aumentando as tensões regionais.

Na África, o impacto das alterações climáticas são severas e os fenômenos pontuados e as mudanças climáticas também estão relacionadas ao aumento da frequência e intensidade de eventos de inundação. As inundações podem destruir infraestruturas, contaminar fontes de água potável e deslocar comunidades inteiras. Em 2019, Moçambique foi atingido pelo ciclone Idai, que causou fortes chuvas e inundações generalizadas. A inundação resultante afetou a disponibilidade de água potável e agrícola, agravando a insegurança alimentar e os conflitos locais. Redução das geleiras: As geleiras da região do Kilimanjaro, na Tanzânia, e da cordilheira dos Ruwenzori, entre Uganda e República Democrática do Congo, estão aguardando devido ao aquecimento global. Essas geleiras são importantes fontes de água doce para rios e comunidades locais. A redução contínua das geleiras pode levar a conflitos futuros sobre o acesso à água. Aumento da variabilidade climática: Prevê-se que as mudanças climáticas intensifiquem a variabilidade do clima, com períodos de seca mais vários intercalados com chuvas intensas. Isso pode levar a disputas por recursos hídricos reduzidos e aumentar a tensão entre comunidades agrícolas e pastores nômades. A crescente demanda por água devido ao aumento populacional e às mudanças climáticas pode levar à escassez de água potável em várias regiões da África. Isso pode agravar os conflitos intra e interestatais pela água, especialmente em áreas onde os recursos hídricos são limitados.

Na Europa, lista-se o Rio Danúbio, uma importante via fluvial que atravessa vários países europeus, incluindo Alemanha, Áustria, Hungria, Romênia e Bulgária. Disputas sobre a gestão e uso dos recursos hídricos do Danúbio têm sido um tema recorrente, especialmente em relação à construção de barragens e ao equilíbrio entre a navegação e a conservação ambiental. A Convenção sobre a Proteção e o Uso dos Cursos de Água Transfronteiriços e dos Lagos Internacionais das Nações Unidas (1997) é um instrumento relevante para a gestão dos recursos hídricos compartilhados na bacia do Danúbio. Além disso, a União Europeia implementou a Diretiva-Quadro da Água (2000), que estabelece diretrizes para a proteção e o gerenciamento sustentável dos recursos hídricos em toda a região. A perspectiva geopolítica sugere que o controle e o acesso a recursos hídricos estratégicos, como o rio Danúbio, podem influenciar as relações de poder e as dinâmicas de cooperação e conflito entre os Estados europeus. Teóricos como Aaron Wolf destacam que o compartilhamento de água transfronteiriça pode provocar tensão e conflitos, especialmente quando há desigualdades no acesso e uso dos recursos. Ainda na Europa, Crise da Água na Península Ibérica: a Península Ibérica, abrangendo Portugal e Espanha, tem enfrentado desafios inesperados em relação à disponibilidade de água. Secas prolongadas, aumento da demanda e problemas de gestão levaram a conflitos entre diferentes setores, como agricultura, indústria e abastecimento doméstico. A Diretiva-Quadro da Água da União Europeia (2000) é um instrumento legal importante para a gestão dos recursos hídricos na Península Ibérica. Além disso, Portugal e Espanha têm acordos bilaterais para a partilha de águas transfronteiriças, como o Tratado de Albufeira (1998), que aborda o uso dos recursos hídricos do rio Tejo. Em terreno Europeu, há também as disputas na Península dos Bálcãs, que inclui países como Croácia, Bósnia e Herzegovina, Sérvia e Montenegro, enfrenta desafios em relação ao acesso à água potável e ao uso de recursos hídricos compartilhados. As disputas são frequentes em torno de rios como o Danúbio, o Sava e o Drina. O Acordo de Conferência sobre o Sistema do Rio Danúbio (1994) é um marco jurídico importante para a cooperação entre os países da região dos Bálcãs. Além disso, a Diretiva-Quadro da Água da União Europeia (2000) é aplicável a esses países, fornecendo orientações para a gestão e proteção dos recursos hídricos. A teoria da integração regional destaca a importância da cooperação e da integração política na resolução de conflitos relacionados à água nos Bálcãs. A perspectiva da justiça hídrica ressalta a importância de considerar as necessidades e os direitos de todas as partes interessadas ao lidar com questões relacionadas à água. Os conflitos por água na Europa envolvem uma variedade de fatores, desde disputas transfronteiriças até desafios internos de gestão e preservação de recursos hídricos. Os países nórdicos, como Suécia, Noruega e Finlândia, têm um histórico de gestão eficiente dos recursos hídricos, Porém, o aumento da demanda, o fluxo e as mudanças climáticas têm colocado pressão sobre esses sistemas, levando a debates sobre alocação e uso sustentável da água. A Convenção de Helsinque (2000), assinada pelos países nórdicos, tem como objetivo promover a cooperação na gestão dos recursos hídricos transfronteiriços. Além disso, a Diretiva-Quadro da Água da União Europeia também se aplica a esses países.

Durante períodos de seca, a disponibilidade de água diminui, impactando nas atividades agrícolas, abastecimento de água potável e geração de energia hidrelétrica. Um exemplo recente ocorreu em 2018, quando a Europa iniciou uma seca severa, afetando especialmente países como Alemanha, Holanda, Reino Unido e Suécia. Aumento da frequência e intensidade das chuvas torrenciais: As mudanças climáticas também podem resultar em eventos de chuvas torrenciais mais frequentes e intensos. Isso pode levar a inundações e danos à infraestrutura hídrica, como barragens e sistemas de drenagem. Em 2014, a região dos Bálcãs sofreu inundações devastadoras, com sérios impactos nas infraestruturas de água e saneamento.: O derretimento das geleiras é um fenômeno relacionado às mudanças climáticas que afetam o abastecimento de água em algumas áreas da Europa, principalmente nas regiões alpinas. À medida que as geleiras diminuem, pode haver uma redução significativa na disponibilidade de água no curto prazo, seguida por um aumento na disponibilidade à medida que o derretimento diminui. Isso pode afetar a distribuição da água em bacias hidrográficas compartilhadas entre diferentes países.

No Oriente Médio, os Bacia do Rio Jordão: A bacia do rio Jordão, que abrange Israel, Palestina, Jordânia, Síria e Líbano, é uma área de choques relacionados à água. A disputa pelo controle e distribuição dos recursos hídricos tem sido uma fonte constante de conflito na região, especialmente entre Israel e os territórios palestinos, a legislação internacional aplicável a essa questão inclui a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito dos Usos dos Cursos de Água Internacional (1997). No entanto, a falta de um acordo abrangente dificulta a resolução dos conflitos na bacia do rio Jordão. Segundo Allan (2001), os conflitos na bacia do rio Jordão estão enraizados na complexa dinâmica geopolítica da região, onde a água é considerada um recurso estratégico e vital para a sobrevivência e segurança dos Estados. A teoria geopolítica destaca que o controle dos recursos hídricos no Oriente Médio pode influenciar as relações de poder entre os países.Rio Tigre e Eufrates: O Iraque, a Síria e a Turquia são os principais atores envolvidos em conflitos relacionados aos rios Tigre e Eufrates. A construção de barragens, a gestão desigual dos recursos hídricos e as secas prolongadas geraram tensões intensas na região, afetando a disponibilidade de água para irrigação, abastecimento doméstico e atividades industriais. A Convenção sobre a Proteção e o Uso dos Cursos de Água Transfronteiriços e dos Lagos Internacionais das Nações Unidas (1997) é um instrumento legal relevante para a gestão dos recursos hídricos acumulados na bacia do Tigre e Eufrates. No entanto, a implementação dessa legislação tem sido um desafio na região. Ainda em território lovalizado no Oriente Médio, Aquífero de Saq-Ramn: o aquífero de Saq-Ramn, localizado entre a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e Omã, é uma importante fonte de água embutida. A ingestão excessiva e a falta de cooperação na gestão dos recursos hídricos geraram tensão nessa região, com o risco de esgotamento do aquífero. A legislação específica aplicável a essa questão pode variar entre os países envolvidos. No entanto, a implementação de acordos de gestão conjunta e promoção da cooperação são fundamentais para a resolução dos conflitos relacionados ao aquífero de Saq-Ramn.

O Oriente Médio já enfrenta uma escassez crônica de água, e as mudanças climáticas estão agravando essa situação. O aumento das temperaturas e a diminuição das chuvas contribuíram para a redução dos recursos hídricos disponíveis. Um exemplo é a situação no Golfo Pérsico, onde a disponibilidade de água doce é extremamente limitada e pode ser ainda mais esperada no futuro. Secas prolongadas: As mudanças climáticas estão ampliando a ocorrência e a gravidade das secas na região. As secas prolongadas têm efeitos devastadores na agricultura, no abastecimento de água potável e nas atividades físicas. Um exemplo é a seca que afetou a Síria entre 2006 e 2011, desejando para tensões sociais e políticas que culminaram no conflito civil. Aumento do nível do mar: As mudanças climáticas estão causando o aumento do nível do mar, o que representa uma ameaça direta para as áreas costeiras do Oriente Médio. As mudanças climáticas também estão alterando os padrões de chuva na região, resultando em eventos de chuvas mais intensos e concentrados. Isso pode levar a inundações repentinas e forçadas do solo, impactando a disponibilidade de água e a infraestrutura hídrica. Um exemplo é a enchente no norte do Irã em 2019, que causou danos significativos e afetou o abastecimento de água potável.

Como visto em vários exemplos em várias partes do globo, há problemas muito sérios relativos a mudanças climáticas e conflitos pela água, problemas que exigiram dos Estados atuais um esforço de inteligência nunca antes visto, afinal, só assim haverá previsibilidade e planejamento, o Brasil, em especial, devido ao protagonismo em diplomacia verde, vanguarda no ambientalismo e diversas especificidades geográficas fazem com que a ABIN tenha um papel central na análise das mudanças climáticas e dos conflitos decorrentes, especialmente com relação a água.

Lucas Tonaco – secretário de Comunicação da FNU, dirigente do Sindágua-MG, acadêmico em Antropologia Social e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)