Artigo: Lucas Tonaco*
_______________________

A recente citação direta de Romeu Zema, governador de Minas Gerais, sobre ideias separatistas envolvendo o Sudeste e o Nordeste, representa um mais uma vez o sintoma  de uma doença perigosa para a unidade nacional, podendo levar ao autoritarismo e ao retrocesso político. Não foi a primeira, não foi a segunda e se nada for feito, o flerte com o separatismo, pode no final das contas esgarçar o tecido social e gerar extremismos perigosos, além de demonstrar mais uma vez, claramente retrocessos. Ideias separatistas, por tanto são o que são: ideias separadas de inteligência, de sensibilidade.

Enquanto a política moderna e a teoria do Estado atual discutem fenômenos como estado plurinacional, que é um conceito que lida com dimensões territoriais imensas e dimensões de diversidade cultural, também gigantescas. A Índia é um exemplo de um país que abriga uma grande diversidade étnica, cultural e religiosa, assim como o Brasil. A Constituição indiana reconhece o país como uma “União de Estados” e garante certos direitos para diferentes comunidades e grupos minoritários. Para ficar aqui na América do Sul, a Constituição de 2008 do Equador reconhece o país como um “Estado Plurinacional e Intercultural”, buscando promover a inclusão e os direitos dos povos indígenas e de outras comunidades tradicionais. Outro exemplo, é em  2009, a Bolívia adotou oficialmente o termo “Estado Plurinacional da Bolívia” em sua nova Constituição, reconhecendo a diversidade cultural e étnica do país e a existência de diferentes nações indígenas dentro de seu território. Ainda historicamente, temos a após a guerra civil na década de 1990, a Bósnia e Herzegovina, que se tornou um Estado plurinacional, onde diferentes grupos étnicos, como bósnios, sérvios e croatas, possuem direitos e representação política garantidos. Ou seja: o mundo moderno, a política moderna, entende que o território não deve ser fator de divisão ou segregacionismo, mais o oposto, pois diversidade deve ser sinônimo de respeito mútuo e preservação.

A fala de Romeu Zema, em que ele menciona ideias separatistas, coloca em discussão a coesão territorial do Brasil, questionando a unidade entre as diferentes regiões do país. Tal abordagem, embora possa surgir como uma resposta à insatisfação com as desigualdades regionais, pode ser interpretada como uma tentativa de enfraquecer o Estado brasileiro, fomentando divisões territoriais e, potencialmente, minando a identidade nacional. Historicamente, Sérgio Buarque de Holanda, um dos principais pensadores brasileiros, enfatizou a importância da coesão nacional e da identidade brasileira em sua obra “Raízes do Brasil”, em outras perspectivas, Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo e estudioso das questões indígenas, contribuiu com reflexões sobre a diversidade cultural e o respeito às diferentes formas de vida. Ele destaca que a coexistência de culturas e modos de vida é uma riqueza a ser preservada e respeitada e para ficar ainda sobre ideias da formação do Brasil, temos Caio Prado Jr., que em sua obra “Formação do Brasil Contemporâneo”, abordou as origens das desigualdades regionais no Brasil e os desafios para a construção de uma nação unificada. O separatismo, ao invés de enfrentar as raízes dessas desigualdades, pode agravá-las ao fragmentar o país em unidades menores, dificultando a cooperação e o desenvolvimento equitativo.

Faltou Zema, as aulas de história e de estórias: separatismo é um fenômeno de violência. No Brasil, só para ser breve, tivemos a Guerra dos Farrapos (1835-1845): Também conhecida como “Revolução Farroupilha”, foi um conflito ocorrido na província do Rio Grande do Sul, liderado por fazendeiros, comerciantes e outros grupos insatisfeitos com a política imperial e os altos impostos. Apesar de não ser uma guerra separatista em sua origem, ao longo do conflito, alguns líderes passaram a pleitear a independência da província. Estima-se que as mortes durante a Guerra dos Farrapos tenham alcançado alguns milhares de pessoas. Sabinada (1837-1838): Esse conflito ocorreu na província da Bahia e foi liderado por grupos liberais descontentes com o governo imperial. O movimento reivindicava a independência da Bahia em relação ao restante do Brasil. A Sabinada foi rapidamente sufocada pelas forças imperiais, e não há números precisos sobre o total de mortos. É importante notar que esses conflitos foram mais movimentos de caráter regional e com menor alcance geográfico do que guerras separatistas em larga escala. Os prejuízos resultantes desses conflitos incluíram a perda de vidas. De determinada perspectiva, as raízes do integralismo e neointegralismo que impregna essa extrema direita, é envolvida com fenômenos separatistas na origem – a dita Revolução Constitucionalista de 1932, também conhecida como Revolução de 1932 ou Guerra Paulista, foi o movimento armado ocorrido nos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, entre julho e outubro de 1932, que tinha por objetivo derrubar o governo provisório de Getúlio Vargas e o famigerado forjado Plano Cohen. Contrariando mais uma vez a si próprio quando se declara ser um “liberal”, historicamente, não falta exemplos de como ideias separatistas podem ser absolutamente totalitárias e autoritárias,  e que a violência dos discursos por vezes motiva a violência contra corpos – e o que não falta são evidências científicas disso, pois esses discursos podem criar uma atmosfera de hostilidade, polarização e animosidade entre grupos, resultando em tensões que podem se manifestar em atos violentos. Em “The Violence of Hate: Confronting Racism, Anti-Semitism, and Other Forms of Bigotry” (2017) de Jack Levin e Jim Nolan – os autores discutem como discursos de ódio podem levar à violência e exploram estudos de caso envolvendo vários grupos étnicos e minorias. Eles destacam como a propagação de ideias intolerantes pode desencadear comportamentos violentos contra grupos vulneráveis. Em “Words That Wound: Critical Race Theory, Assaultive Speech, and the First Amendment” (1995) de Mari J. Matsuda,  trabalho há o exame entre a relação entre discurso ofensivo e violência, especialmente no contexto da liberdade de expressão. O autor argumenta que palavras carregadas de ódio podem incitar atos violentos contra minorias, destacando a importância de limitar certas formas de discurso. Outro estudo interessante, é “Speech and Violence: The Uses of Language in the Pinar del Río Anti-Immigrant Riots of 1980” (1996) de Paul G. Hiebert, que estuda como discursos inflamados contribuíram para a violência nos protestos anti-imigrantes em Pinar del Río, Cuba, em 1980. O autor analisa como a linguagem utilizada pelos manifestantes e líderes exacerbou as tensões e desencadeou atos violentos. Por último, cita-se “Understanding the Mechanisms Through Which Hate Speech Affects Targeted Individuals” (2015) por Susan M. Andersen e outros, onde nesse artigo acadêmico, os autores discutem a relação entre discurso de ódio e violência, concentrando-se nas consequências psicológicas e comportamentais que o discurso prejudicial pode ter sobre os indivíduos e comunidades alvo. Para citar exemplos explícitos de movimentos separatistas – Movimento de Independência Basco (França e Espanha): além do ETA, existem outros grupos separatistas bascos, como o ETA político e o Segi, que também realizaram ataques terroristas em busca de independência do País Basco da Espanha e da França. Embora esses grupos não sejam tão ativos quanto o ETA em seu auge, ainda houve eventos de violência e mortes associadas a eles. O Tamil Tigers (Sri Lanka): O grupo separatista Tigres de Libertação do Tamil Eelam (LTTE) lutou por um Estado independente para a etnia Tamil no norte do Sri Lanka. Durante o conflito, o LTTE realizou ataques terroristas, incluindo atentados suicidas e ataques contra civis e autoridades do governo. O LTTE é conhecido por popularizar o uso de ataques suicidas em conflitos modernos. Estima-se que o conflito no Sri Lanka entre o LTTE e o governo tenha causado dezenas de milhares de mortes ao longo das década. O Quebec Liberation Front (Canadá): o Front de Libération du Québec (FLQ) foi um grupo separatista que buscava a independência da província francófona do Quebec, no Canadá. O FLQ esteve envolvido em vários atentados, incluindo sequestros e explosões de bombas em locais públicos. Em um dos ataques mais trágicos, em 1970, um membro do FLQ sequestrou o vice-primeiro-ministro do Quebec, Pierre Laporte, e um diplomata britânico, James Cross. Laporte foi assassinado e, ao longo da crise, várias outras pessoas foram mortas em conexão com os sequestros e conflitos. A linha entre discurso separatistas, movimentos separatistas é sempre tênue e o governador deve, explicitamente tomar todo o cuidado possível pois nesse caso não se sabe onde começa o fogo e onde termina a pólvora – discursos intolerantes, por vezes, levam a ações desumanas.

Além do citado acima, o separatismo, como abordado em estudos acadêmicos, é frequentemente associado a desafios para a manutenção da unidade nacional. Diversos autores argumentam que o separatismo pode levar a uma fragmentação política e territorial, enfraquecendo o país como um todo (Gurr, 1970; Hechter, 1975). Em vez de resolver as questões de desigualdade regional, a adoção de ideias separatistas pode agravar os problemas e criar novos desafios para a cooperação e o desenvolvimento em âmbito nacional. É importante destacar que a adoção de uma postura separatista pode revelar traços autoritários na política de um líder. O autoritarismo é caracterizado pela concentração de poder nas mãos de um indivíduo ou grupo, frequentemente em detrimento da participação democrática e da diversidade de ideias (Altemeyer, 1981). Ao propor a separação de regiões sem um debate amplo e inclusivo, Zema pode estar ignorando a diversidade de interesses e perspectivas do povo brasileiro, o que pode levar a um enfraquecimento da democracia e dos princípios fundamentais de participação cidadã.

No contexto histórico do Brasil, além dos conflitos territoriais citados, é importante lembrar que o país já enfrentou momentos em que o autoritarismo e a fragmentação territorial foram fontes de instabilidade e retrocesso. Durante a Ditadura Militar (1964-1985), o regime repressivo cerceou a liberdade de expressão e a participação política, buscando impor um projeto autoritário de desenvolvimento (Skidmore, 2007). Esse período obscuro da história do Brasil resultou em violações de direitos humanos e um retrocesso significativo para a democracia.Diante disso, a postura de Romeu Zema em relação ao separatismo pode ser vista com preocupação, uma vez que o enfraquecimento da unidade nacional e a adoção de medidas autoritárias podem conduzir o país a um retrocesso político e social. É mais que fundamental que líderes políticos busquem soluções para as desigualdades regionais por meio de diálogo, cooperação e descentralização do poder, valorizando a diversidade e a riqueza cultural de todas as regiões do Brasil, que são vários brasil e no meio dessa brasilidade toda, a ideia de união e construção nacional não é apenas essencial, mas deve guiar como os nossos conflitos mais originários e históricos devem ser resolvidos.

Referências

  • Gurr, T. R. (1970). “Why Men Rebel.” Princeton University Press.
  • Hechter, M. (1975). “Internal Colonialism: The Celtic Fringe in British National Development.” Routledge & Kegan Paul.
  • Altemeyer, B. (1981). “Right-wing authoritarianism.” University of Manitoba Press.
  • Skidmore, T. E. (2007). “Brazil: Five Centuries of Change.” Oxford University Press.
    Holanda, S. B. de. (2016). “Raízes do Brasil”. Companhia das Letras.
  • Castro, E. V. de. (2002). “A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia”. Cosac Naify.
  • Prado Jr., C. (2011). “Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia”. Editora Brasiliense.Lucas Tonaco – secretário de Comunicação da FNU e dirigente do Sindágua-MG