Artigo: Lucas Tonaco
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O debate sobre a privatização da Companhia de Águas e Esgotos do Piauí (Agespisa) é uma questão crucial que exige uma análise detalhada e fundamentada, principalmente no prisma das contradições. Adentramos então  nos argumentos contra a privatização da Agespisa, destacando a falácia  sua ineficiência com base em experiências no Brasil e no mundo, relatórios da ONU, posicionamentos de especialistas e, especialmente, a contradição do governador Rafael Fonteles ao apoiar tal medida, considerando sua formação acadêmica e das evidências científicas de que a privatização não é a solução, também adiciona-se uma controversa atuação de uma instituição cujo histórico é contraditório A&M – Alvarez & Marsal no setor de saneamento.

A privatização de empresas de saneamento no Brasil e em outros países tem sido acompanhada de uma série de problemas. Em diversos casos, a qualidade dos serviços prestados não melhorou, e as tarifas aumentaram consideravelmente para os consumidores. A experiência de privatização da CEDAE é um exemplo relevante, em que os preços das tarifas dispararam – em até 300% – após a concessão à iniciativa privada, sem a correspondente melhoria na qualidade do serviço.Também é importante observar experiências internacionais, como na Argentina e no Reino Unido, onde a privatização resultou em uma concentração dos serviços de saneamento em áreas urbanas mais lucrativas, negligenciando regiões rurais e periferias. A privatização, nesses casos, exacerbou as desigualdades socioeconômicas e dificultou o acesso ao saneamento básico para as camadas mais vulneráveis da população.

A Organização das Nações Unidas (ONU) tem enfatizado o saneamento como um direito humano fundamental, e sua privatização pode representar um risco para o cumprimento desse direito. Relatórios da ONU destacam que a gestão pública é mais eficaz em garantir o acesso universal e equitativo aos serviços de saneamento. A privatização, por outro lado, tende a aumentar as desigualdades e a exclusão social. O consenso acadêmico também se alinha com a visão da ONU. Pesquisadores e especialistas têm apontado que a busca pelo lucro em empresas privatizadas pode entrar em conflito com o objetivo de fornecer serviços acessíveis e de qualidade à população. Além disso, a privatização pode levar a cortes de investimentos em infraestrutura e manutenção, comprometendo a eficiência e a expansão dos serviços de saneamento.

A contradição do governador do Piauí, Rafael Fonteles, é evidente ao defender a privatização da Agespisa, considerando sua formação acadêmica e o consenso acadêmico em torno da gestão pública do saneamento. Rafael Fonteles possui uma trajetória acadêmica sólida, com mestrado em economia o que indica sua familiaridade com as discussões sobre políticas públicas e o bem-estar da população.

No entanto, suas declarações em apoio à privatização da Agespisa revelam um alinhamento contraditório com as evidências e o conhecimento acadêmico que desaconselham tal medida. Essa postura levanta dúvidas sobre o que há por trás de sua decisão, considerando que a privatização pode não ser a solução mais efetiva para o saneamento público no Piauí. O governador, que é acadêmico também poderia recorrer a outra acadêmica, Dalila Alves Calisto, cuja tese de mestrado virou livro, sendo Mercantilização da água: análise da privatização do saneamento de Teresina-PI – este livro é fundamental para o governador, pois discute os impactos da privatização dos serviços de água e saneamento básico em Teresina, no Piauí. O livro argumenta que a privatização não trouxe os benefícios prometidos, como a melhoria da qualidade da água, a expansão da cobertura e a redução dos custos. Em vez disso, o livro mostra que a privatização levou a um aumento da tarifa da água, a uma redução da qualidade da água e a uma diminuição da cobertura, também argumenta que a privatização não foi transparente e que não houve participação pública no processo de privatização. Mercantilização da água: análise da privatização do saneamento de Teresina-PI é um livro importante que contribui para o debate sobre a privatização dos serviços públicos. O livro é bem escrito e bem argumentado e pode mostrar ao governador de forma clara, como não extender o erro de Teresina ao estado todo. A autora apresenta uma análise abrangente do processo de privatização dos serviços de água e saneamento básico em Teresina. O livro também é bem fundamentado em evidências empíricas. A autora faz uso de uma variedade de fontes, incluindo dados oficiais, entrevistas e relatórios de organizações não governamentais. Mercantilização da água: análise da privatização do saneamento de Teresina-PI é um livro importante para quem se interessa pelo tema da privatização dos serviços públicos. O livro é um alerta para os perigos da privatização e um convite à participação pública nos processos de privatização.

Outra contradição, é o encontro no dia 30 de março de 2023 ás 15h00 do governador Rafael Fonteles com representantes da consultoria A&M – Alvarez & Marsal para discutir a Agespisa também suscita preocupações. A história da A&M – Alvarez & Marsal em outros casos, como o da empresa ENRON e sua atuação durante a crise financeira de 2008, levanta questões sobre a consistência e a ética de suas abordagens em situações críticas. A participação da A&M – Alvarez & Marsal no caso ENRON foi controversa, resultando em danos socioeconômicos significativos. Além disso, sua atuação durante a crise financeira de 2008 pode gerar dúvidas sobre sua capacidade de fornecer soluções adequadas e éticas para questões complexas, como a gestão dos serviços de saneamento no Piauí.

A contradição final é o fato de que o governo Lula III, é um governo voltado para a discussão de questões públicas e das funções do Estado nos direitos, inclusive nos direitos humanos, como no caso do saneamento público. Governo Lula este e também seu partido, que durante alguns momentos de seu mandato, inclusive em julho recebeu sindicalistas, ativistas acadêmicos para discussão de saneamento público, com decretos inclusive – vale lembrar também que todos os parlamentares do PT e alguns senadores do partido, apoiam a Frente Parlamentar do Saneamento Público, o que vai totalmente contra as ideias privatistas do governador que pode estar solitário nesta tendência absurda de privatização, que vai contra como o já dito: a acadêmia, o próprio PT, o governo Lula, as evidências nacionais e internacionais e até a ONU.

Diante das evidências apresentadas, fica claro que a privatização da Agespisa é uma medida questionável e inadequada para o saneamento público no Piauí. Experiências nacionais e internacionais mostram a ineficiência desse modelo, enquanto relatórios da ONU e o consenso acadêmico enfatizam a importância da gestão pública para garantir o acesso universal aos serviços de saneamento.Diante desse cenário, é essencial que a sociedade, os governantes e os especialistas promovam um debate público amplo e fundamentado, buscando soluções que priorizem o interesse público, a equidade social e a sustentabilidade dos serviços de saneamento no Piauí. A gestão pública se apresenta como a opção mais coerente e efetiva para alcançar tais objetivos.

Lucas Tonaco – secretário de Comunicação da FNU e dirigente do Sindágua-MG