Artigo: Lucas Tonaco*

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Muito têm se falado sobre o processo de privatização da Eletrobras e não há absolutamente nenhuma dúvida sobre as críticas vindas desde de Armínio Fraga até Lula, até Alexandre da Silveira (Ministro de Minas e Energia) que explicitamente diz que o modelo é criminoso. Ocorre que assim como no saneamento, o setor energético – ambos como o mercado define categoricamente de Utilities ou simplesmente (Entidade de utilidade pública) – os processos de privatizações são pautados em modelos, afinal, na teoria econômica a “modelagem” seria o artifício metodológico usado como um step by step inserido numa equação cujo o resultado seria a mudança de controle do capital e seus impactos.

Há diversos modelos de participação de empresas públicas e sua relação com capital privado, alguns mais Keynesianos – geralmente mais ligados à preocupação social e com os discursos de welfare state destes processos , por exemplo, o artifício das empresas mistas e outros mais neoliberais – que geralmente são ligados a questões ideológicas da própria filosofia de Estado, defendendo como se diz na pseudociência da “Economia Austríaca” a menor participação possível do Estado em absolutamente tudo, aí neste processo a dialética histórica passaria por um choque de entrega das personalidades jurídicas e concessões públicas para o privado absoluto  – Reagan, Pinochet e Tatcher são ilustres aplicadores por parte deste modelo – com o mito da concorrência e tudo mais.

Então aqui inserimos o principal fator inicial: na dialética Hegel, portanto, onde a dialética é responsável pelo movimento em que: uma ideia sai de si própria (tese); para ser outra coisa (antítese); depois regressa à sua identidade, se tornando mais concreta (síntese) – verificamos que o modelo a ser escolhido interferirá diretamente na realidade e que a escolha do modelo, seria a escolha da filosofia e consequentemente da realidade.

Um modelo econômico de privatização, como o de capitalização usado na Eletrobras, envolve a transferência do controle e da propriedade de uma empresa estatal para o setor privado, neste caso da capitalização, a empresa emite novas ações que são vendidas aos investidores, resultando em uma diluição da participação do governo e uma maior entrada de recursos financeiros na empresa – não fosse na contra-mão do mundo em lugar – para citar dois exemplos como no caso do setor elétrico francês onde em 2022 a ministra Élisabeth Borne, anunciou que governo francês vai adquirir 100% das ações da gigante da energia EDF – Électricité de France ou até mesmo na Alemanha, onde no mesmo ano, Na tentativa de driblar os cortes de gás russos, a Alemanha fechou um novo negócio bilionário que, na prática, vai tornar a gigante de energia Uniper uma empresa estatal pelas próprias palavras “este passo se tornou necessário porque a situação claramente mudou” nas últimas semanas, disse Robert Habeck, ministro da Economia da Alemanha – e também outra contra-mão do tempo atingindo além da geração o próprio setor de distribuição, afinal, um estudo produzido pelo IBGE em 2021, acabou constatando que 1995 a 2019, enquanto a inflação (INPC) subiu 458,28%, a inflação da energia elétrica residencial, apurada pelo mesmo indicador do IBGE subindo 1.020,09% – optar então por uma modelagem de privatização para os setor de utilities portanto por si só já é um erro em um contexto onde a complexificação econômica em questões importados, como industrialização com base no controle de matriz energética e até mesmo de soberia, agora, optar pelo pior modelo, passa ser uma espécie de não de “erro em dobro” mas sim de “erro inifitnito”.

Especificamente no caso da Eletrobras, a modelagem de capitalização permitiu que o governo reduzisse sua participação na empresa de cerca de 65% para 43% e isso ocorreu por meio da emissão de novas ações e da venda delas no mercado. Com essa redução da participação governamental, abriu-se espaço para que acionistas privados adquirissem uma parcela maior do controle da Eletrobras , porém o modelo de capitalização usado na privatização da Eletrobras foi questionado judicialmente pelo governo agora, usando da institucionalidade da AGU no STF e que que argumenta que uma restrição estabelecida na lei que autorizou a venda da estatal viola direitos políticos da União. A restrição em questão limita o poder de voto do governo a apenas 10% das ações, mesmo que ele detenha uma participação maior.Esse modelo de privatização por capitalização, como ocorrido na Eletrobras, busca atrair investidores privados, injetar recursos na empresa e permitir uma gestão mais eficiente e voltada para o mercado e quanto ao eufemismo mercado e a metáfora controle, podemos ver que nem sempre o mercado se “auto-regula” e há relações perigosas nisso, afinal, após revelação do escândalo na Americanas, a Associação dos Empregados da Eletrobras (AEEL) chamou atenção para a interferência que o mesmo grupo de acionistas da varejista tem na ex-estatal, a 3G Radar, maior acionista preferencialista da Eletrobras, tem como sócios Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles, Carlos Alberto Sicupira, principais acionistas da Americanas – deixar o setor elétrico nacional nas mãos de um grupo não controle nem o próprio privado não é uma decisão inteligente, ou para não ficar em um próprio exemplo das relações nada autorreguladas temos até mesmo uma empresa norte-americano privada, a Enron Corporation e sua lição histórica sobre “liberdade de mercado, auto-regulação e setor elétrico”.

Vemos então as críticas levantadas em relação à privatização da Eletrobras destacarem possíveis impactos na soberania energética, na qualidade dos serviços prestados e no controle sobre um recurso estratégico para o desenvolvimento do país – e claro, questões principais como inovação e desenvolvimento tecnológico com pesquisas, questões trabalhistas, afinal, a Eletrobras teve sua competência formada por profissionais concursados, qualificados e especializados em um know-how quase único, e até mesmo moralidade dos serviços públicos, afinal, a Eletrobras chegou aprovar recentemente supersalários de até 300 mi reais.

A relação entre energia e saneamento e o impacto do custo e controle da energia no saneamento:

Existe uma estreita relação entre energia e saneamento, e o custo e o controle da energia podem ter um impacto significativo no setor de saneamento. Com base nas tecnologias atuais, o fornecimento de água potável e o tratamento de esgoto requerem energia elétrica para funcionar adequadamente – seja com relação das tecnologias usadas desde de o tratamento, monitoramento da qualidade da água e vazão com uso de eletro-técnicas finas até mesmo bombeamento para a distribuição de água. No tratamento de esgoto, o uso de bombas e turbinas é base para diversas tecnologias. Hoje, segundo o Ministério de Minas e Energia, nas companhias de saneamento, esse consumo representa, em média, 12,2% dos gastos, chegando, em alguns casos, a 23,8% nas operações para tratamento de água e esgoto – agora, imagine este impacto acrescido de 25% com a privatização – essa percentual é uma projeção de especialistas como Fabiola Latino Antezana (CNU/STIU-DF) e Gilberto Cervinski (MAB) e pode ser visto em algumas matérias dos mesmos para vários veículos de informação, como em matéria ao BdF.

Aumentos nos custos de energia podem afetar diretamente as despesas operacionais das empresas de saneamento, tornando mais difícil a manutenção dos serviços e o investimento em infraestrutura, isso é óbvio, além disso, o controle da energia também é um fator importante, pois a dependência de fontes energéticas externas ou de empresas privadas pode levar a aumentos de custos e falta de autonomia para as empresas de saneamento – na perspectiva do custo final ao consumidor, este custo poderá aumentar sim as contas de água vide a política de repasse de custos para maximização de lucros e o controle do “Deus EBITDA” – além, claro de que os trabalhadores do setor de saneamento, podem ter inclusive seus aumentos ameaçados, afinal os sindicatos têm negociações coletivas atuais muito duras com as políticas de arrocho e os reajustes são com base em fatores inflacionários e quase sempre com a ausência de aumento real, um aumento no custo global seria portanto um prato cheio para os defensores do lucro máximo e o salário e direitos cada vez mais precários e também de terceirizações.

Falando inclusive sobre relações sustentáveis, é importante apontar também que a sustentabilidade é um aspecto crucial a ser considerado na interação entre energia e saneamento. A busca por soluções energéticas sustentáveis, como o uso de fontes renováveis, é fundamental para preservar o meio ambiente e garantir um fornecimento de energia mais limpo e seguro, pois, a adoção de práticas sustentáveis no tratamento de água e esgoto contribui para a preservação dos recursos hídricos e redução dos impactos ambientais. A eficiência energética nos processos de tratamento também é importante para otimizar o uso de energia e reduzir os custos operacionais das empresas de saneamento, promovendo um desenvolvimento mais sustentável e equilibrado, e isso exige investimento e planejamento e o “ESG” atual para as diretrizes de mercado não impede totalmente grandes desastres, afinal, Brumadinho ou Mariana demonstram isso e além: até mesmo o aumento da ingerência do setor elétrico brasileiro mais recente contribuindo para a contratação de termelétricas ou mesmo Eletronuclear onde a Eletrobras têm participação,  em sua “gestão privada” foi recentemente multada em R$ 2,1 milhões por ocorrência em setembro de 2022, a própria Eletronuclear admitiu a liberação não programada de 90 litros de água com baixo teor radioativo na Baía de Itaorna (RJ) e há processo judicial para analisar tal fato.

Concluímos muito facilmente que o custo não só econômico, mas ambiental e político,  da energia está diretamente ligado ao custo das empresas de saneamento.

A importância de barrar a privatização da Eletrobras para o saneamento e para barrar as privatizações no saneamento:

A privatização da Eletrobras tem um impacto direto no setor de saneamento, e barrar essa privatização é fundamental para proteger o acesso à água e ao saneamento básico, proteger os trabalhadores dessas empresas contra redução de direitos e proteger uma complexificação econômica mais estável na interoperabilidade do setor de utilities. A infraestrutura energética desempenha um papel crucial no fornecimento de água e no tratamento de esgoto e é essencial garantir o controle e a gestão eficiente da energia para manter a qualidade e a disponibilidade dos serviços de saneamento. A Eletrobras privatizada,  inseriu-se a possibilidade de interesses privados priorizarem lucros em detrimento da prestação de serviços essenciais pode comprometer o acesso da população ao saneamento adequado com esse impacto econômico e com parte do descontrole estatal instaurado.

Barrar a privatização da Eletrobras é um passo importante para impedir privatizações no setor de saneamento atuais. O questionamento do governo em relação à privatização da Eletrobras abre precedentes legais que podem impactar diretamente outras privatizações, incluindo as empresas de saneamento, uma vez que a bola da vez é a modelagem similar a desejar ser usada por Tarcísio em São Paulo com a SABESP ou mesmo Romeu Zema pode aplicá-la em Minas Gerais na COPASA.

Se a ação judicial for favorável ao governo e for considerada inconstitucional a limitação do poder de voto da União após a privatização da Eletrobras, essa decisão pode ser estendida a outras estatais, alterando o Zeitgeist e isso cria um cenário em que as privatizações no setor de saneamento podem ser revisadas e impedidas, preservando o acesso da população aos serviços essenciais de água e saneamento e maiores investimentos, com contas mais baratas e com uma qualidade maior. Restando, portanto, que sociedade civil organizada – especialmente sindicatos, movimentos sociais e políticos com responsabilidade e ética com comprometimento aos direitos sociais – se mobilizem ao máximo para reestatização da Eletrobras, criando um efeito dominó sobre outros setores, especialmente o de saneamento e para uma breve conclusão, é preciso entender a natureza holística e relacional das questões coletivas pois tudo está de alguma maneira relacionado, parafraseando o celebre trecho em que Machado de Assis versava sobre “palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução, alguns dizem mesmo que assim é que a natureza compôs as suas espécies”, relacionando portanto ao contexto – uma luta puxa a outra, o combate a idéias nocivas de um determinado setor é portanto, também, o combate a idéias nocivas a toda a sociedade, na qual estamos todos inseridos e só há consciência do todo quando se têm consciência das partes, fenomenologicamente, como citação de Edmund Husserl – Toda a consciência é consciência de algo. Ter consciência que é necessário uma luta contra a precarização de algum direito social como o da energia e do impacto disso em vários outros direitos, como saneamento, é ter consciência dos direitos sociais em si.


Lucas Tonaco – secretário de Comunicação da FNU e dirigente do Sindágua-MG