A Corsan não foi vendida. Há liminares na justiça que impedem a assinatura do contrato de venda por parte do estado do Rio Grande do Sul. São inúmeras irregularidades que chamaram a atenção dos órgãos de fiscalização. O prejuízo ao estado pode chegar na casa de Bilhões de reais caso o contrato seja assinado. A única “concorrente” do leilão está há 12 anos dentro da Corsan e tem conhecimento da planta de saneamento do estado como nenhuma outra possível concorrente teve.

Por esta razão as outras empresas não se interessaram em participar da disputa e por esta razão a estatal foi arrematada pelo preço mínimo. E agora as Câmaras de Vereadores começam a acordar para esta realidade. Em Rio Pardo uma CPI local já está acontecendo.

Em Santa Maria a Vereadora Helen Cabral fez a proposição, o documento contou com nove assinaturas (de sete necessárias) e já foi instalada a Comissão. Há flagrante descumprimento de legislação tanto federal quanto municipal e isso pode trazer prejuízos enormes não só para o município mas, principalmente, para o usuário do sistema de saneamento.

A lei federal11445 no seu artigo segundo afirma que o controle social é um princípio fundamental, sendo base para a prestação de serviço de saneamento.

Para uniformizar a informação, controle social é justamente a participação daquele que paga pelo serviço. É o cidadão ter conhecimento do que está sendo discutido e participar das decisões.

Em Santa Maria, foi aprovada na Câmara de Vereadores e o Prefeito sancionou, a lei que cria o Conselho Municipal de Saneamento que tem justamente o controle social como uma das suas principais atribuições.

A Câmara de Vereadores é outro instrumento importante para que a população fique conhecendo o tema enquanto ele está sendo discutido e não só após a decisão tomada dentro de uma sala fechada.

O Termo Aditivo assinado pelo prefeito em dezembro de 2021, que na verdade não é Termo Aditivo e sim um novo contrato, não passou pela análise da Câmara de Vereadores. Até hoje não se sabe se o Conselho Municipal de Saneamento se manifestou ou se pelo menos teve conhecimento do assunto. Aliás não se sabe se tal Conselho foi formado na atual gestão do Executivo. Se não foi formado, é mais uma lei que foi ignorada pelo prefeito. Pelo que se tem conhecimento não ocorreram as audiências públicas citadas como necessárias na lei municipal 6245 que foi sancionada pelo prefeito de Santa Maria em 13 de julho de 2018.

O Conselho de Saneamento tem dentre suas atribuições dadas por lei:

“Art. 2º São atribuições do COMSAB:
I – promover o controle social das ações relacionadas à Política Municipal de Saneamento Básico;
IV – discutir a política tarifária do serviço municipal de saneamento;”

Como se vê, além do Controle Social, o Conselho, assim como a Câmara de Vereadores, tinham a obrigação de discutir a política tarifária do novo modelo que o governo do estado propôs e o prefeito aceitou.

Houve uma troca, de um Contrato de Programa (aliás o melhor contrato no âmbito da Corsan) assinado pelo prefeito em 2018, onde tudo se encaminhava para a universalização do serviços até 2025 e o principal, SEM PREVISÃO DE AUMENTO DE TARIFA, por um novo contrato onde a universalização está prevista para 2033 e traz a certeza de aumento real de tarifa.

Este aumento real de tarifa não é “achismo” de quem quer contestar a privatização.

Esta elevação de tarifa está escrita no Novo Contrato e na Resolução Decisória 647 da AGERGS, que é a Agência Reguladora dos Serviços de saneamento.

Ainda segundo a AGERGS, confirmando a lei federal, não tinha qualquer possibilidade legal do documento que chamaram de Termo Aditivo ter sido assinado em dezembro de 2021. Isso por que condição sine qua non para esta assinatura era a existência da Comprovação da Capacidade Econômico financeira da corsan. E esta comprovação só foi concedida pela AGERGS à estatal em março de 2022.

Outra questão que a CPI poderá esclarecer é por qual motivo o prefeito abriu da mão da multa contratual que penalizaria a Corsan em R$ 200 milhões em favor do município caso fosse privatizada.

A CPI deverá também buscar explicação sobre o motivo pelo qual um contrato de programa onde os parâmetros de fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais se pautam pela lei 11445 e também pelo Plano Municipal de saneamento foi (ou será, em caso de privatização) substituído por um novo contrato onde esta fiscalização e as possibilidades de sanções por descumprimento passam a ser pautados pelo princípio da realidade, conforme cláusula quinquagésima inciso IV do novo contrato.

Há que se explicar por qual razão o princípio da realidade veio parar num contrato de prestação de serviço da prefeitura.

Segundo a AGERGS, “essa cláusula já estabelece espécie de escusa antecipada para o eventual descumprimento das obrigações contratuais” da empresa privada.

Esta cláusula favorece o município ou a empresa privada?

Há que se colocar na ponta do lápis todos os valores financeiros ditos como vantagem para Santa Maria com este contrato de privatização, confrontar com o que já estava previsto no contrato vigente assinado em 2018, levar em conta os R$ 200 milhões perdidos e informar a população de Santa Maria se houve lucro ou prejuízo ao município com esta assinatura do novo contrato.

A CPI certamente trará à baila também o Relatório muito bem elaborado pela Comissão Especial da Câmara que foi formada em 2021 justamente para analisar o documento que o prefeito se propunha a assinar. E o fato deste documento não ter passado pelo crivo da Câmara de Vereadores praticamente foi o carro chefe do trabalho da Comissão que também comprovou não se tratar de um mero aditivo e sim de um novo contrato. A Comissão assim se manifestou:

“Através do PJL 377/2021 a Procuradoria Legislativa se manifestou no sentido de que eventual aditivo ao contrato firmado entre o Município e a Corsan prescinde de autorização Legislativa, cabendo a Câmara Municipal fiscalizar as alterações do contrato.

(…)

Não há discutir-se que a proposta de um aditivo com cinquenta e uma cláusulas que alteram a essência do contrato, modificando o prazo, alterando garantias e obrigações não afetas pelo marco regulatório, não é um aditivo, mas um novo contrato, e como tal deve ser recebido pelo Município, já que o nomen juris não lhe afeta a natureza.”

Aliás, a Comissão alertou ao Executivo pela não assinatura do Termo Aditivo.

Para completar os itens que a CPI deverá esclarecer, tem o fato de que a Prefeitura Municipal não irá receber as ações da Corsan prometidas em caso de privatização. Ao que consta, serão R$ 24 milhões a menos nas tais “vantagens” enaltecidas pelo prefeito municipal.

Enfim, parabéns aos Vereadores que assinaram o documento da Comissão. Bem vinda CPI e que traga os esclarecimentos até agora sonegados à população por interesses alheios à boa política e ao bem comum.

(*)Rogério Ferraz é Diretor de Divulgação doSindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Estado do Rio Grande do Sul – Sindiágua/RS.