Inicialmente é de suma importância lembrar: O teor da Constituição de 1988 expressa que o Tribunal de Contas da União é um órgão independente e autônomo, ou seja, não pertencendo a nenhum dos três poderes: Executivo, Legislativo ou Judiciário.
O TCU é independente porque a própria Constituição lhe atribui, no artigo 33, § 2°, e no artigo 71, competências próprias e privativas. Importa lembrar que essas competências não são delegadas pelo Congresso Nacional. Assim, entendemos que cabe a cada ministro do TCU zelar pelo erário público, bem como, prestigiar os dados técnicos citados no parecer técnico dessa renomada casa, quanto as graves aberrações que foram apontadas no estudo da modelagem da privatização da Eletrobras.
Assim, o parecer jurídico traz clareza sobre um determinado assunto ou processo, pois analisa os fatos de forma a orientar e ajudar a fundamentação da resposta de forma transparente.
Do Blefe contra o TCU
Durante o mês de abril, tornou-se lugar comum nas reportagens dos jornais de grande circulação e nas falas de representantes do governo, inclusive de ministros, a afirmação de que “O TCU pode atrasar a privatização da Eletrobras” ou ainda algumas mais sensacionalistas como “TCU pode inviabilizar a privatização da Eletrobras”.
A divulgação massiva e orquestrada de informações que em sua essência eram ou falsas ou tendenciosas tinham como objetivo politizar o processo no TCU. Ou seja, o governo tentou tratar o TCU como mais um órgão do governo, a quem caberia apenas avalizar o processo e o cronograma por ele definido. Duas informações falsas que foram massivamente divulgadas serviram para alimentar manchetes de jornais: a primeira delas é a de que a Eletrobras estava preparada para realizar a operação de capitalização em maio de 2022 e a segunda dizia que o governo tem apenas a janela de maio de 2022 para operacionalizar a privatização da Eletrobras. Esses dois grandes blefes do governo e da diretoria da Eletrobras serviram para alimentar todo tipo de pressão contra os ministros do TCU.
O primeiro blefe foi descoberto no primeiro dia útil após o julgamento do TCU. Na sexta-feira, dia 22/04/2022, a Eletrobras divulgou comunicado ao mercado avisando o mercado sobre o adiamento da publicação do relatório 20F para o dia 2 de maio. De acordo com reportagens publicadas na imprensa, era necessária a publicação do relatório até o final de abril para viabilizar a operação no dia 13 de maio (veja aqui). Ou seja, mesmo que o TCU aprovasse no dia 20 ou 27/04, a operação teria que ser adiada de qualquer forma e não se realizaria no dia 13/05. Esse blefe colocou o TCU sobre forte pressão, tanto do governo quanto de instituições financeiras e da imprensa a serviço dela. Mas, para o bem do país, a maioria dos ministros não se dobrou a essa pressão, fazendo valer o interesse público, ainda que isso jogasse sobre suas costas um grande peso.
O segundo blefe da Diretoria da Eletrobras e do governo foi a afirmação de que a operação só poderia ser realizada na janela de maio. Infelizmente, essa não é a única janela possível para operação. Após toda divulgação de resultados trimestrais, abre-se uma nova janela. Ou seja, após a divulgação de resultados em maio, a operação pode ser realizada na janela de julho/agosto.
Após a divulgação de resultados em agosto, a operação pode ser realizada na janela de setembro/outubro. Após a divulgação de resultados em novembro, a operação pode ser realizada na janela de dezembro/janeiro. E assim sucessivamente. Por isso não faz sentido os ministros do TCU serem pressionados para acelerar o processo. Não cabe ao TCU avaliar qual é o melhor ou pior momento para a operação, do ponto de vista mercadológico. Cabe ao TCU defender os interesses do Estado. E avaliar os impactos da operação proposta do ponto de vista de sua legalidade e dos interesses da União, de modo a não permitir prejuízos ao erário público.
Apenas um ministro do TCU, que atua como aliado do governo, usou e abusou dessas retóricas propaladas pelo Governo Bolsonaro. Difícil saber se foi enganado pelo governo e pela diretoria da Eletrobras ou se apenas se fingiu de bobo, pegando carona na repercussão da mídia na tentativa de pressionar seus colegas. Esse ministro, inclusive, foi o único a querer deixar seu voto escrito já registrado. Deve se achar mais competente que os colegas, que usarão o tempo para se aprofundar nas questões a serem analisadas. Ele parece também estar ocupado, pois, essa semana, foi visto ao lado do presidente Bolsonaro durante o vergonhoso anúncio do perdão ao deputado condenado por estimular atos antidemocráticos e por atacar as instituições do país. Por sorte, esse não é o comportamento da maioria do TCU, e o colegiado do tribunal não se dobrou à pressão do governo e do mercado adiando o julgamento da operação da Eletrobras em análise.
A pressa do governo tem ainda outras motivações. Todos sabem que o projeto de privatização da Eletrobras está repleto de erros. Desde a avaliação dos ativos à modelagem que prevê a transferência de Itaipu e da Eletronuclear para uma nova estatal. Por isso, quanto mais tempo o TCU tiver para analisar a proposta do governo, mais problemas eles encontrarão. Esse é o maior medo do governo e da diretoria da Eletrobras. Quanto mais detalhada for a análise, mais claras ficarão as falhas do modelo. Ao apontar todos os graves problemas e falhas do processo e da proposta de privatização, ficará cada vez mais claro que o verdadeiro motivo para o atraso da operação é a incompetência do governo.
Da nossa parte, o que nos cabe é continuar lutando contra esse processo absurdo, que prejudicará a todos os brasileiros, que já estão sofrendo muito com a inabilidade desse governo, com os altos preços de alimentos e combustíveis, com o desemprego e com a fome. Vamos continuar atuando junto às instituições, mostrando todos os graves problemas desse processo e denunciando todos os absurdos.
Fonte: AEEL