Vice-presidente da Câmara eleito com apoio do Palácio do Planalto, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) diz que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é o maior sabotador da agenda liberal do ministro Paulo Guedes.

Ramos afirma que há uma determinação da cúpula da Câmara para “blindar” pautas econômicas – reforma administrativa, capitalização da Eletrobras, privatização dos Correios e reforma tributária –, mas que o resultado dessas questões e dos desafios fiscais que virão à frente vai depender de qual lado Bolsonaro escolherá.

“Infelizmente, você vê sempre prevalecer o compromisso do presidente da República com pautas corporativas, algumas delas muito atrasadas. A influência disso na Casa depende de que lado o presidente da República estará nessa disputa”, afirmou em entrevista ao podcast Frequência Política, da equipe de análise da XP.

“O maior sabotador da pauta liberal do ministro Paulo Guedes é o próprio Planalto, é o presidente da República”, criticou.

O parlamentar diz não ser possível descartar a necessidade de novas rodadas de programas emergenciais e que essa decisão dependerá dos efeitos da pandemia.

“Eu não seria taxativo em dizer que não haverá uma nova leva de auxílio emergencial, porque se o desafio de vacinar falhar e nós tivemos uma terceira onda, não vai ter jeito”.

Leia a seguir a entrevista:

A gente vem de um impasse longo sobre o Orçamento. O acordo foi preservado, mas alguma rusga sobrou. Como o sr. vê a relação do Congresso com o time econômico a partir de agora?

Eu diria que Arthur Lira, mesmo não tendo um alinhamento pensamento com tanta identidade quanto tinha Rodrigo Maia, tem um compromisso maior de diálogo e com o encaminhamento das pautas do Ministério da Economia. E acima de tudo, ele não disputa protagonismo com o ministro da Economia, ele tem clareza de qual é o papel de cada um. E isso é uma mudança muito significativa, mesmo após a tensão que foi gerada pelo debate do Orçamento.

Guedes fez um acordo, que foi quebrado pelo relator para mais. E, quando isso aconteceu, tentou cancelar tudo. Óbvio que isso gera uma relação ruim de confiança. Mas Lira já está sentado à mesa com Guedes para tentar construir a reforma tributária.

Então eu diria que foi um momento de tensão, mas o maior comprometimento de Lira com o governo e com a pauta do Ministério da Economia faz com que isso tenha sido superado já nesses primeiros dias.

A gente não deve, portanto, ter problemas nos vetos do Orçamento e recomposição das despesas obrigatórias? Ou a pressão pelos gastos de dentro do próprio governo vai influenciar?

Acho que depende muito da postura do presidente da República. O maior sabotador da pauta liberal do ministro Paulo Guedes é o próprio Planalto, é o presidente da República. Então, eu acho que vai depender da conduta do presidente.

Por exemplo, eu, que sempre tive convicção de que a reforma administrativa pode andar com serenidade, começo a ouvir ruídos de que há uma orientação do próprio Planalto para que ela não seja priorizada dentro da Câmara. Então o maior sabotador da pauta do governo é o próprio governo.

E você tem conflitos que não são da Câmara. A disputa de protagonismo, de visão da economia entre o ministro Rogerio Marinho, o ministro Tarcísio e o ministro Paulo Guedes é um problema interno de governo. A questão é: ao lado de quem que o presidente da República vai ficar?

Infelizmente, quando você fala de Polícia Federal, reforma administrativa com impacto em polícias militares, você vê sempre prevalecer o compromisso do presidente da República com pautas corporativas, algumas delas muito atrasadas. Então, o quanto isso vai influenciar a Casa, eu acho que depende de que lado o presidente da República estará nessa disputa. Porque muitas vezes ele veta e ele mesmo trabalha para derrubar o veto, o que é surreal, mas vive acontecendo nos últimos tempos.

A tese de desmembramento da Economia perde força com as mudanças que Guedes fez na equipe?

Um desmembramento passaria uma mensagem muito ruim, do ministro Paulo Guedes perdendo força nessa queda de braço em que o lado dele é o da responsabilidade fiscal. Acho que a mensagem seria muito ruim, de enfraquecimento daquele que simboliza um polo de resistência fiscal dentro do governo.

Além disso, sou daqueles que posso criticar ministro, elogiar, falar sobre a conduta, mas eu não fui eleito para escolher ministro, desmembrar ministério ou demitir ministro, isso é papel do presidente da República.

Que avaliação o sr. faz da pandemia, e do ritmo da vacinação atual? Serão necessárias mais medidas emergenciais?

Não consigo dar uma resposta definitiva sobre isso, porque eu não sei o que vai acontecer. Não sei se vamos viver uma terceira onda após o fim do período atual do auxílio emergencial, ou do Pronampe, do BEm. Não me arvoro a ser definitivo de que não haverá. Acho que vai depender muito de como vão se comportar os efeitos sanitários da pandemia.

Acho que o tempo e a vacina foram deixando claro que o remédio para a pandemia e para a Economia é o mesmo: vacinar. É o ritmo da vacinação que vai dizer o que vai acontecer.

Acho que vamos ter no segundo semestre vamos ter uma aceleração significativa do processo de vacinação e é isso que vai dando alguma normalidade para a atividade econômica.

Mas se o desafio de vacinar falhar e nós tivermos uma terceira onda, não vai ter jeito. Bem ou mal é isso que sustenta a economia com tudo fechado.

Qual vai ser a tônica do segundo semestre do governo? E como o clima da CPI influencia na pauta de reformas?

Ela impacta essencialmente o funcionamento do Senado, mas impacta as duas Casas. E governo insiste em acirrar as tensões políticas, nessa tentativa tola de tentar encurralar o presidente, o relator da CPI. É o equívoco que o governo tem feito até aqui.

Eu não acho que é o momento de instalar uma CPI também na Câmara dos Deputados, porque se não nós vamos paralisar as matérias que são fundamentais para o futuro do país.

Aqui na Câmara vamos fazer o esforço que nós fizemos na reforma da previdência. Então vamos tentar blindar a reforma administrativa, blindar a capitalização da Eletrobrás, blindar a privatização dos Correios e blindar a reforma tributária, se é que nós vamos conseguir avançar alguma coisa com a reforma tributária – e eu sou sempre um pessimista sobre a reforma tributária.

A ordem das reformas, é essa mesma?

Se o Planalto não boicotar a reforma administrativa ela vai sair com agilidade

Mas está boicotando?

Pelo histórico, o risco de boicotar é enorme. Porque todas as pautas que envolviam interesses coorporativos de servidores públicos foram boicotadas pelo governo. A reforma da previdência foi, a PEC emergencial foi. Nós tivemos uma reunião inusitada sobre a PEC emergencial, na qual o governo queria o afrouxamento fiscal e os outros deputados segurando a questão fiscal do país, é surreal isso.

Se a administrativa o governo não boicotar, capitalização da Eletrobrás, eu acho que anda bem, até porque é medida provisória. Privatização dos Correios, com a aprovação da urgência, me parece que sinalizou um compromisso de Lira de marcar sua gestão por algum início de processo de privatização de empresas públicas. E a reforma tributária, a despeito da fala do presidente Arthur, que dia 3 tudo vai mudar, eu sou muito cético com isso. Meu ceticismo não mudou.

Mesmo com fatiamento e foco no “consenso do consenso” há dificuldades?

Considerar a aprovação de uma reforma que a Câmara tem uma proposta, o Senado tem outra e o governo tem outra, que ninguém sabe qual é, é algo que não me parece possível.

O governo fala em uma proposta em quatro fatias, mas você não sabe quais são essas fatias. Só sabe qual é a primeira, o CBS. Eu já fiz minha crítica. Acho que o CBS vai aumentar a carga tributária de alguns setores muito sensíveis e esses setores têm muita capacidade de pressão sobre o parlamento. Então acho difícil aprovar o CBS, mesmo sendo lei ordinária. O resultado do ponto de vista da simplificação é pífio.

No dia 4 vou apresentar na Câmara, para a aprovação de uma lei nacional do ICMS e do ISS, que é onde está o maior contencioso tributário do país.

O sr mencionou MP da Eletrobrás como medida que vai andar bem, mas não há nem relatório e vai chegar no Senado em cenário de CPI e embate. O sr. acha que na Câmara ela sofre modificações e vê possibilidade de ela ser aprovada em um mês?

Existem resistências, principalmente no Senado, porque alguns setores do Senado são donos de pedaços da Eletrobrás. E abrir mão de algo que você é dono nunca é muito simples. É difícil desapegar. Essas são dificuldades que terão que ser superadas. E não tenho dúvida de que se chegar no Senado em um prazo muito curto para caducar não vai ter possibilidade de aprovação. Não tenho dúvida que esse é um tema que tem mais dificuldade no Senado do que na Câmara.

Esticando sua bola eleitoral para 2022, tem chance de uma terceira força emergir?

Eu torço muito para que essa terceira via possa emergir, mas cada vez mais vou desanimando com essa possibilidade. E o Brasil tem um problema com o surgimento de uma terceira via, que é a falta de um programa de centro moderado. Todo mundo que se apresenta como terceira via se apresenta com a única vinculação de sua imagem e seu desejo de ser presidente. Ninguém apresenta ao Brasil o que é a economia entre Lula e Bolsonaro, meio-ambiente, relações internacionais, agronegócio.

Não dá para analisar agora ainda o que será o Bolsonaro na eleição, porque o segundo semestre, se tiver uma terceira onda, vai ser muito ruim, mas se não tiver e acelerar a vacinação, o crescimento vai ser muito significativo, porque estamos no fundo do poço. Isso pode gerar um clima de otimismo, alguma capacidade de investimento para 2022, pode possibilitar uma recuperação de popularidade. Mas acho que ainda é cedo. Hoje o presidente Lula tomou a dianteira dessa disputa, mas a eleição não é hoje, é daqui a mais de um ano.

E como o sr vê a disposição do centro e do centrão? Lula é uma alternativa a esse grupo? E como fica a governabilidade de Bolsonaro até lá?

Vou ser pragmático, como são esses partidos de centro. Ninguém vai sair do governo. a forma de fazer política desses partidos depende do governo, seus projetos eleitorais dependem dessas relações. Então está claro que ninguém vai sair da base do governo até o último momento, a não ser que o presidente derreta em um CPI ou em um movimento qualquer, como derreteu a presidente Dilma, mas acho que isso não vai acontecer.

E onde esses partidos vão estar nas eleições? Vão estar onde fizerem mais deputados federais e senadores. Esses partidos não estão preocupados se estarão com Bolsonaro, Lula, Ciro, Marina, Hulk ou Doria. Eles estão preocupados em fazer deputados federais e senadores por motivos simples: depois que ganhar o presidente, eles estarão com o presidente, seja ele qual for.

Um programa de renda do governo Bolsonaro maior que o Bolsa Família ajuda na hora de definir para onde esses partidos vão?

Certamente. Quando você vê o impacto que o auxílio emergencial de R$ 600 teve na popularidade do presidente, você percebe a força que essas políticas têm. A discussão é se o governo terá espaço fiscal em 2022 para reestruturar o Bolsa Família… Se tiver, certamente vai reestruturar esse programa na expectativa de disputar de forma mais arrojada esse perfil de eleitor, que hoje é muito simpático ao Lula, principalmente no Nordeste.

Ele só faz se tiver espaço fiscal?

Como nossa situação fiscal é no fio da navalha, qualquer aventura fora do espaço fiscal pode ter um efeito inverso, de fazer a bolha estourar antes do período eleitoral.

Nessa linha, como o sr. vê a relação de Guedes com o governo? Qual é o limite, a risca que o ministro diz que não ultrapassa?

A gente tem de ver a risca dos dois lados. Acho que o limite do que Bolsonaro não aguentaria é muito mais sensível do que o contrário, porque Guedes não entregou quase nada dos compromissos do início da gestão. E em certa forma a pandemia o salvou, porque ele tem a justificativa da pandemia para não ter executado os compromissos que foram firmados. Então acho muito difícil que Guedes, por decisão própria, abandone o governo. Acho que ele vai engolir todos os sapos, vai disputar todas as brigas. Mas não vai abandonar sem ter entregue quase nada.

E acho que o limite de Bolsonaro é o da viabilidade eleitoral dele. O risco dele é o momento em que as políticas do Guedes começarem a comprometer de maneira definitiva os objetivos eleitorais dele.

A gente viu uma série de embates entre Legislativo e Judiciário, com a prisão de um deputado, determinação de instalação da CPI. Como vê possibilidade de o Congresso “cortar as asas” do Judiciário?

Tudo o que o Brasil não precisa nesse momento é de uma crise entre o poder Legislativo e o Judiciário. Temos que ter um momento de arrumação. Mas essa mudança não é legislativa, ela é de diálogo institucional.

E como vê risco de manutenção da democracia até 2022?

Meia dúzia de amalucados armados não vão tomar o poder em um país do tamanho do Brasil, com instituições consolidadas. O Brasil não é Mianmar, em que meia dúzia de militares toma o poder, é um país importante na geopolítica internacional. O mundo de hoje não é o de 1964, não tem ninguém apoiando. Todas as instituições estão muito comprometidas com a democracia, e em especial os militares, que sempre reafirmaram seu compromisso com a democracia.

E eu traria o elemento econômico. O Brasil é totalmente dependente, no que diz respeito à sua balança comercial, da exportação de commodities, não aguenta meia hora de embargo comercial da União Europeia, dos Estados Unidos ou do Japão. Enquanto tinha o Trump, quem pensava isso ainda poderia ter alguma esperança de ter um porto seguro nos Estados Unidos. Agora não tem mais ninguém. O Brasil não vai virar pária do mundo.