O novo ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, já tem uma bomba-relógio para desarmar. Mudanças na MP 814, medida provisória em tramitação no Congresso Nacional, podem jogar uma conta bilionária no colo dos consumidores de energia e deflagrar novas fontes de incerteza para a privatização da Eletrobras. Também limpam o terreno para uma redefinição das tarifas da usina nuclear de Angra 3, que está com suas obras paradas desde 2015, quando as empreiteiras responsáveis foram pegas pelas investigações da Lava-Jato.

O texto original abria caminho para a venda das distribuidoras controladas pela estatal e revogava um trecho de lei sancionada em 2004 que impedia sua entrada no Plano Nacional de Desestatização (PND). Com isso, o governo ficava autorizado a contratar os estudos para a operação de aumento de capital da companhia.

Risco de tarifaço

O deputado Julio Lopes (PP-RJ), relator da medida provisória, pretende apresentar seu parecer na próxima terça-feira (17/4) com alterações importantes no texto que saiu do Palácio do Planalto. Uma das emendas que devem ser acatadas é de sua própria autoria e transfere para os consumidores um aumento nos custos com a compra de gás natural por usinas térmicas contratadas às vésperas do racionamento de energia no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Especialistas advertem sobre o risco de um “tarifaço” – especialmente na região Nordeste.

O Programa Prioritário de Termelétricas (PPT), criado em 2000, foi responsável pela construção de 21 usinas que somam em torno de 8,8 mil megawatts (MW) de potência instalada. A Petrobras garantia o fornecimento de gás.

O problema é que o preço definido em contrato – US$ 4 por milhão de BTU (unidade de referência do setor) – ficou defasado. Com isso, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já enfrenta restrições para acionar essas térmicas. Uma delas, a Termofortaleza (CE), ficou quase quatro meses em operar devido à falta de gás. Para a Petrobras, tornou-se mais barato pagar multas contratuais do que fornecer o insumo por um valor muito baixo.

A emenda do relator diz que a diferença entre os preços inicialmente pactuados e o “preço médio de mercado do gás natural praticado no país” – hoje em torno de US$ 7 – será arcada pelos consumidores de energia por meio do Encargo de Serviços do Sistema (ESS). O sistema de equalização valeria até 2024, quando termina o programa emergencial introduzido na gestão FHC.

Cálculos preliminares da Abrace, a associação dos grandes consumidores industriais de energia, apontam que a mudança pode ter um impacto de R$ 2,5 bilhões para o ESS. A estimativa considera o quanto essas usinas têm sido acionadas no passado recente. O encargo pode ser pago por todos os consumidores do país ou pelos consumidores do subsistema (região) ao qual pertence cada térmica, dependendo dos motivos.

“O impacto para os consumidores é bilionário”, afirma o ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e presidente-executivo da Abrace, Edvaldo Alves Santana. “O repasse de custos pode representar um aumento de 2% a 3% nas tarifas.”

Como há grande concentração das usinas do PPT no Nordeste, o efeito seria particularmente negativo para clientes de empresas como Coelce (CE) e Celpe (PE), caso a conta do encargo seja localizada em vez de recair sobre os consumidores do país como um todo.

O relator Julio Lopes discorda da avaliação de que essa conta será pesada. “É muito residual e resolve os imbróglios jurídicos que restringem a ligação das térmicas.”

Lopes chama a atenção para outras mudanças na medida provisória. Uma delas transfere para a Eletronuclear as receitas provenientes da comercialização de energia da hidrelétrica binacional de Itaipu. O objetivo é sanear o balanço financeiro da empresa, que precisa ser segregada da Eletrobras antes da sua privatização.

O deputado também afirma ter incluído na MP 814 uma “recomendação” de alta no valor do megawatt-hora a ser produzido pela usina de Angra 3. Hoje estimado em R$ 240, esse valor seria equiparado à  “média internacional”. Isso giraria em torno de R$ 500 por MWh. Lopes diz ter conversado com dirigentes da Eletronuclear e de bancos públicos credores da obra, que está com 63% de execução, além de ter entrado em acordo com o governo.

Com uma redefinição do preço, seria possível buscar parceiros internacionais e retomar a obra. O jornal Valor apurou, no entanto, que a equipe recém-saída do Ministério de Minas e Energia divergia da medida por entender que o estouro orçamentário de Angra 3 seria repassado indevidamente aos consumidores pelo aumento de tarifa.

Lopes antecipa ainda que excluirá do texto original o artigo que revogava a proibição de entrada da Eletrobras no PND. Para ele, isso não atrapalhará a contratação dos estudos técnicos, mas o governo tem dúvidas. “Sou favorável à privatização”, afirma. (fonte: Valor on line)