Nesta quinta-feira, 10 de abril, a Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) protocolou, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), pedido de habilitação como Amicus Curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7800, que questiona a legalidade do edital de concessão dos serviços de saneamento no estado do Pará. A iniciativa ocorre às vésperas do leilão da Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa), marcado para esta sexta-feira (11/4), na Bolsa de Valores (B3), em São Paulo.
A ADI foi ajuizada pela Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae) e tem como foco principal defender a titularidade municipal dos serviços de saneamento, ameaçada pela legislação estadual aprovada em dezembro de 2023 (Lei 171/2023), sem qualquer diálogo com a sociedade paraense ou com os parlamentares.
A petição da FNU, assinada pelo assessor jurídico da entidade, Dr. Luiz Alberto Rocha, levanta dois pontos centrais de inconstitucionalidade. O primeiro é a criação de uma “microrregião” que, na prática, abrange todo o estado do Pará, o que configura uma “macrorregião” em desrespeito ao artigo 25, § 3º da Constituição Federal, que trata da organização regional dos estados.
O segundo ponto se refere à distribuição desigual dos votos no colegiado gestor, com 40% atribuídos ao estado e 60% divididos entre os 144 municípios paraenses. Essa distribuição esvazia o poder dos municípios e compromete a autonomia local, ferindo o pacto federativo.
Desta forma, A FNU soma-se à preocupação expressa na ADI 7800 quanto à violação do pacto federativo, uma vez que a legislação estadual retira dos municípios o poder de decisão sobre o saneamento básico, concentrando competências no Estado. Isso prejudica diretamente a capacidade das administrações locais de planejar e executar políticas públicas de abastecimento de água e esgotamento sanitário, impactando negativamente na qualidade dos serviços oferecidos à população.
Além disso, a ação busca a declaração de inconstitucionalidade de normas que impõem novas regras para a prestação dos serviços de saneamento, descaracterizando o modelo de governança municipal e favorecendo a privatização do setor.
Privatização em curso e interesses privados
O leilão da Cosanpa é fruto de um processo conduzido pelo BNDES que prevê uma concessão de 40 anos para empresas privadas operarem os serviços de água e esgoto em 126 dos 144 municípios paraenses. Estão previstos investimentos de R$ 18,8 bilhões, com a promessa de atender 5,3 milhões de pessoas. Entre os grupos interessados estão Aegea, Azevedo & Travassos, Servpred e o consórcio Eldorado Saneamento.
Apesar do discurso de modernização e investimento, a FNU alerta para os riscos de tarifas abusivas, exclusão da população mais pobre e precarização dos serviços. O processo de privatização da Cosanpa ignora um movimento global de reestatização do saneamento, que vem ocorrendo em diversos países após o fracasso de gestões privadas na área.
Soberania hídrica em risco
O estado do Pará abriga uma das maiores reservas de água doce do mundo, com destaque para o Sistema Aquífero Grande Amazônia (SAGA), com mais de 162 mil km³ de água subterrânea. Parte dessa reserva está localizada em Alter do Chão, Santarém. Para a FNU, entregar esse patrimônio à iniciativa privada é abrir mão da soberania hídrica nacional em favor de interesses econômicos.
O governo Helder deveria garantir acesso à água e ao esgotamento sanitário por meio de políticas públicas, mas opta por “vender” esse direito, ignorando o princípio de que a água é um bem comum. Em vez de promover investimentos públicos em infraestrutura, o governo transfere responsabilidades para empresas privadas que historicamente não têm compromisso com a universalização.
A FNU segue mobilizada
A FNU, junto a diversas entidades e movimentos sociais, segue na luta em defesa do saneamento público, da autonomia municipal e da soberania hídrica. A entidade reitera seu posicionamento contra o leilão da Cosanpa e denuncia a falta de transparência, o desrespeito aos direitos da população e o risco de retrocessos profundos na gestão dos serviços essenciais de água e esgoto.