Por: Edson Aparecido da Silva* (assessor de Saneamento da FNU)
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ONU vai discutir direito à água; organizações brasileiras lutam para impedir e reverter privatizações do serviço

A luta em defesa da água e do saneamento público ocorre em vários países. Diversas organizações que se reúnem no Fórum Popular da Água (People’s Water Forum) abraçaram a proposta do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas) de transformar este mês de fevereiro, no “Fevereiro Azul”, com atividades preparatórias para a Conferência da ONU sobre a Água, que acontecerá entre os dias 22 e 24 de março em Nova Iorque.

O encontro pretende aprovar uma ação conjunta com o objetivo de se alcançar metas internacionais sobre o tema, incluindo as que estão presentes na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Espera-se ao final da conferência que seja lançada a “Agenda de Ação da Água”, que envolva compromissos de governos, instituições públicas e privadas e comunidades locais.

No Brasil, no âmbito do “Fevereiro Azul”, algumas ações vêm sendo realizadas por trabalhadores (as) que se movimentam para que o “Fevereiro Azul” seja uma demonstração de unidade, organização e mobilização em defesa da água pública contra todas as formas de privatização.

No último dia 13 de fevereiro, dirigentes e profissionais de comunicação dos sindicatos de urbanitários (trabalhadores em saneamento e energia) de todo o Brasil promoveram o 1° Encontro Nacional de Comunicação, que criou a Rede de Comunicação dos Urbanitários. A iniciativa inovadora foi de extrema importância para os sindicatos que, de forma colaborativa, se tornam mais fortes para desmontar a narrativa, do capital financeiro e da grande mídia, que fazem a apologia da privatização do saneamento como forma de superar os desafios da universalização do acesso aos serviços.

No dia seguinte, centenas de trabalhadores dos setores de água e energia, parlamentares e representantes de diversas categorias profissionais e do movimento social ocuparam a frente da Bolsa de Valores, em São Paulo, onde ocorre os leilões de privatização, para realizar um grande ato em defesa dos serviços públicos. As palavras de ordem foram resistência, união e luta para defender o patrimônio público. O ato “Água e Energia não são Mercadorias” foi organizado em parceria pelo movimento sindical e pelo Ondas.

E no próximo dia 28, em conjunto com o Fórum Popular da Água e a Rede Vida (Vigilância Interamericana para a Defesa e o Direito à Água) acontecerá o webinar “Privatização dos serviços de água e saneamento: quais são os riscos para os direitos humanos?” que contará com a participação de expositores do Brasil, da Espanha, Indonésia, do Canadá e da Inglaterra. Para saber mais e se inscrever acesse: https://thepeopleswaterforum.org/.

Essa unidade internacional é expressa nos números que indicam um processo de reversão das privatizações dos serviços públicos em geral e do saneamento em particular que ocorreram pelo mundo. Entre 2000 e 2019, 312 cidades, em 37 países, reestatizaram seus serviços de tratamento de água e esgoto. Entre eles, Alemanha, França, Bolívia, Argentina, Equador, Venezuela, Honduras e Jamaica.

O TNI (The Transnacional Institute) elenca que, no período analisado (2000 a 2019), foram ao menos 835 remunicipalizações (quando os serviços são originalmente das prefeituras) e 49 nacionalizações (ligadas ao governo central), em um total de 884 processos, movidos geralmente por reclamações de preços altos e serviços ruins, sobre abastecimento de água e esgoto, energia elétrica, coleta de lixo, transporte, educação, saúde e serviços sociais, somando um total de sete áreas diferentes. Os dados ainda mostram que, após 2009, houve uma tendência acelerada de reestatização de mais de 80% das privatizações que ocorreram.

No Brasil, com o apoio da mídia corporativa e do Congresso Nacional, com uma maioria de parlamentares liberais, ocorreu durante o (des)governo Bolsonaro um processo inverso do que ocorre no mundo.

Ao governo Lula cabe promover a reversão deste quadro, retomando os financiamentos do FGTS e do Bndes aos prestadores públicos, pondo fim ao papel de promotor de privatizações deste banco e resgatando o seu papel como banco indutor do desenvolvimento social.

Tão importante quanto retomar os investimentos é fortalecer os mecanismos de participação e controle social, revogar os decretos que entravam a expansão da prestação dos serviços e propor a alteração da atual legislação nacional, cujo objetivo é sufocar os operadores públicos para priorizar a expansão da atuação dos agentes privados.

Um dos principais objetivos do presidente Lula, expresso no seu discurso de posse, é o combate às desigualdades sociais, que só será alcançado com a garantia do acesso à água e ao saneamento para todas as pessoas, independentemente das condições de pagamento, das condições habitacionais e dos locais de moradia.

Água e saneamento são direitos e não mercadorias!

*Edson Aparecido Silva é sociólogo, mestre em Planejamento e Gestão do Território pela UFABC (Universidade Federal do ABC), tem especialização em Meio Ambiente e Sociedade, integra o Conselho Estratégico Universidade Sociedade da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), secretário executivo do Ondas (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento) e assessor de Saneamento da FNU (Federação Nacional dos Urbanitários).