Irrelevante para solucionar a dívida pública, a privatização deixa o país vulnerável, mostra estudo do Dieese

Além de gerar receita insuficiente para resolver o déficit fiscal, a privatização galopante do governo deixará o Brasil vulnerável a novas crises cíclicas da economia mundial desencadeadas por descontroles do setor privado, principalmente do financeiro, caso do colapso de 2008. É o que mostra um relatório de janeiro do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), instituição de pesquisa mantida pelos sindicatos de trabalhadores.

Contraproducente para a economia do País, a privatização atual reedita práticas falidas do período FHC. “Na década de 1990, por exemplo, ao contrário da expectativa do governo, as desestatizações mostraram-se incapazes de solver a crise fiscal, pois entre 1995 e 2003, a dívida líquida do setor público passou de 28% para 52% do Produto Interno Bruto. Tampouco aumentaram a eficiência e a qualidade dos serviços prestados, como mostra a política de privatização do setor elétrico que levou à “crise do apagão” em 2001″, diz o Dieese.

A partir de 2002, prossegue, houve reorientação do papel das estatais, o que levou ao seu fortalecimento, e criação de novas empresas do Estado que passaram a liderar os principais projetos estruturantes do País, não raro em parceria com a iniciativa privada.

O grupo desempenhou um papel central tanto no crescimento econômico entre 2006 e 2010 quanto no enfrentamento da crise internacional de 2008, com destaque para os bancos públicos, hoje sob ameaça de privatização, a Petrobras e a Eletrobras.

O principal instrumento da política de privatizações e concessões do governo Temer é o Programa de Parcerias de Investimento, centrado nos setores de infraestrutura, óleo e gás natural, transportes (aeroportos, portos, rodovias e ferrovias), saneamento, setor elétrico e mineração.

Além de iniciar a privatização da Eletrobras, da Casa Moeda e de ativos da Petrobras, incluindo os preciosos campos de petróleo do pré-sal, o governo estendeu o movimento aos estados por meio do Plano de Recuperação Fiscal elaborado pelo Ministério da Fazenda. Em dezembro, um balanço do PPI mostrou a realização de leilão de 70 entre 145 empreendimentos qualificados.

A acusação de que as estatais brasileiras torram dinheiro com excesso de pessoal não passa de propaganda ideológica, permite concluir o levantamento do Dieese. Além da importante participação no total de investimentos, as estatais federais empregavam 531 mil trabalhadores próprios, o que representa 1,2% do total de empregos formais do País em 2016. Na Inglaterra e na França esse percentual atingiu, respectivamente, 1,8% e 10% em 2013.

Suprimir de modo permanente esse patrimônio para reduzir o déficit equivale a enxugar gelo, mostram estes números: “Para o período de 2017 a 2020, prevê-se um déficit acumulado de 515,7 bilhões de reais. Qual seria o efeito de uma arrecadação pontual de aproximadamente 170 bilhões, valor estimado para as privatizações anunciadas, frente a um déficit dessa magnitude?”, indagam os autores do trabalho.

Mesmo sob critérios da iniciativa privada, não há justificativa para o governo se desfazer das estatais: “A partir da análise das demonstrações financeiras das empresas estatais mais significativas no que se refere à distribuição de dividendos à União — Banco do Brasil, Banco do Nordeste, BNDES, Caixa, Correios, Eletrobras, Instituto de Resseguros do Brasil e Petrobras —, observa-se que de 2002 até 2008 houve um crescimento notável do lucro líquido, que saiu de 31,2 bilhões de reais para 96,9 bilhões, em um aumento de 210,7%… Entre 2002 e 2016, o conjunto dessas empresas acumulou 808,6 bilhões em lucro líquido, com uma média de 53,9 bilhões por ano.”

Os países desenvolvidos, sublinha o Dieese, são o maior exemplo da importância das estatais não só no impulso inicial ao desenvolvimento, mas na manutenção e reprodução de uma sociedade mais desenvolvida economicamente e com maiores níveis de bem estar e igualdade social.

Abrir mão dessas empresas  em setores estratégicos, principalmente quando é para o capital estrangeiro, ainda que estatal, “significa delegar nossa trajetória de desenvolvimento econômico e social a interesses que não são necessariamente os da sociedade brasileira. A venda de empresas que administram recursos estratégicos compromete a soberania nacional”. (fonte: Carta Capital)