Na cidade de Candiota, região sul do Rio Grande do Sul, cerca de 1,5 mil pessoas que residem em dois bairros localizados nas imediações da Usina de Candiota (Vilas Operária e Residencial) correm o risco de perder suas moradas, por conta da privatização da Eletrobras.

Muitas dessas famílias residem no local há mais de 60 anos, em área pertencente à CGT Eletrosul, empresa subsidiária da Eletrobras. Com a privatização da estatal, os terrenos, bem como os imóveis, poderão ir a leilão e os moradores podem ser obrigados a deixar suas casas. 

“O que para uns é somente preço, para nós tem muito valor”, afirma o morador e secretário da Associação dos Moradores e amigos da vila residencial (AMAVR), Axel de Moura da Costa. Ele explica que os moradores das 274 casas do local são uma comunidade com fortes laços e querem a revogação do edital.  

“A gente cresceu praticamente junto, tem pessoas que moram há mais de 60 anos. Temos casos diferentes uns dos outros para serem solucionados, e a gente vê que a solução é a quebra desse edital, para que se tenha uma conversa e negociação mais justa”, aponta o secretário da AMAVR, que também é dono de uma pequena barbearia na Vila, sendo um dos únicos comércios do local.

O edital ao qual Axel se refere trata da contratação de um leiloeiro para os imóveis, lançado pela CGT Eletrosul. Esse fato, somado ao já quadro sensível causado pela pandemia, tem trazido muita insegurança para as famílias da Vila Residencial e da Vila Operaria.

“Está todo mundo praticamente com o mesmo sentimento, um sentimento de angústia, de insegurança, de muito medo. Foi lançado um edital de contratação do leiloeiro para vender as nossas casas sem aviso nenhum aos moradores. Eu que sou da Vila Residencial fiquei sabendo através de um grupo de Whatsapp. Através daí gerou uma tensão muito grande, uma mistura de sentimentos, porque a gente vive um momento muito delicado, em que já não consegue planejar muita coisa diante dessa pandemia”, desabafa.

Mobilização dos moradores

A situação fez com que os moradores das vilas se mobilizassem e criassem comissões de representação para tentar chegar até o general Antonio Krieger, presidente da Eletrosul desde 2019. A ideia é fazer chegar até o general o sentimento dos moradores, bem como um laudo social para mostrar a realidade de cada família. 

Axel pontua que nesta semana está sendo feita uma campanha de recolhimento de documentos que comprovam a ocupação e a manutenção dessas famílias em suas casas. “A gente faz um apelo muito grande a todos aqueles líderes e pessoas ligadas a qualquer movimento da luta por moradia para que estejam atentos para o que está acontecendo aqui. É um momento histórico para nós”, afirma.

Ele conta que cresceu com a conversa do leilão das casas, que elas seriam vendidas algum dia. “Muitas famílias compraram as casas dos antigos moradores, outras vazias foram ocupadas, e assim famílias foram construindo suas histórias. Temos que ter o mínimo de sensibilidade, de justiça com essas pessoas que não tem para onde ir”, frisa.

A pressa é para que a questão seja resolvida antes da privatização da Eletrobras, já que depois do processo a negociação será diferente. “A iniciativa privada não gosta de perder, quer lucrar. E aí tem dois casos, a negociação antes da privatização, ou a empresa pública repassar os terrenos para prefeitura para que ela possa repassar para os moradores”, aponta. 

Também moradora da Vila Residencial, a vereadora de Candiota Luana Camacho Vais (PT) destaca que há quase dois meses as comunidades foram surpreendidas com a notícia do edital. Ela complementa que além das duas vilas, há também a comunidade de São Gerônimo, onde a empresa também tinha uma unidade. 

“Procuramos o governo municipal e eu também propus a criação de uma comissão na Câmara de Vereadores para estar acompanhando. De lá para cá começamos a unir as forças para estar nessa luta para tentar reverter”, afirma.

De acordo com Luana, um dos primeiros passos foi o encontro com o general Krieger, no dia 2 de julho, que indicou o caminho político para resolver a questão. Segundo ela, o general disse que a decisão viria de cima. “Enquanto acontece essa negociação, ele (general) não ía lançar o edital da venda. O leiloeiro já está contratado, então ele suspendeu o leilão até que a gente faça essa negociação mais política, que é o que o município tem feito, temos acompanhado, assim como os moradores”, expõe a parlamentar, que também ressalta a apreensão dos moradores.

“A Defensoria tem orientado o município e também os moradores no sentido de irem se organizando. O primeiro passo é uma negociação administrativa para tentar resolver e reverter esse processo do leilão. O pedido que foi entregue à CGT Eletrosul é também para que os imóveis sejam doados ao município, para que o Executivo repasse para os moradores”, explica.

Diante da situação das vilas em Candiota, a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE/RS) está trabalhando para assegurar a moradia dessas famílias. A Defensoria não planeja ajuizar nenhuma ação no momento, mas não descarta essa possibilidade. “Nossa intenção é conversar, ouvir, mas também propor soluções que venham atender a expectativa de todos”, ressaltou Rafael Magagnin.

Fonte: Giullia Santos, Brasil de Fato