Na entrega do saneamento ao capital financeiro, o privado lucra fácil e o Estado fica com os riscos – por: Téia Magalhães [i]

Se você encontrar um jabuti em cima de uma árvore, desconfie!
Aegea, empresa que opera os serviços de água e esgoto de Campo Grande e em uma centena de municípios em doze estados brasileiros, ganhou o leilão da PPP de esgotamento sanitário da companhia estadual de saneamento do Mato Grosso do Sul – Sanesul, num processo contestado por empresas concorrentes, trabalhadores e Ministério Público, e vai explorar o serviço em 68 municípios por trinta anos, deixando com a estatal – ou seja, os usuários – os riscos do negócio. O ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento conta essa história.

Desde maio de 2021, os serviços de esgotamento sanitário em sessenta e oito  municípios do Mato Grosso do Sul, até então sob concessão da Sanesul – Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul, estão sendo prestados pela Aegea Saneamento e Participações SA, que venceu o leilão da PPP de Esgotamento Sanitário, proposta pelo Governo do Estado. O leilão foi realizado seis meses antes pela B3 – Brasil, Bolsa, Balcão (antiga Bovespa), em São Paulo, e a empresa vencedora, que ofereceu tarifa de R$ 1,36 por metro cúbico de esgoto coletado e tratado, com deságio de 38,4% sobre o preço máximo admitido, vai operar os sistemas por trinta anos e terá que universalizar os serviços em até dez anos, por meio de sua subsidiária, Ambiental MS Pantanal, criada exclusivamente com essa finalidade.

Aegea Saneamento e Participações SA existe como tal a partir de 2010. A empresa é formada pela construtora Equipav, que detém 70,72% das ações, pelo fundo soberano de Singapura, GIC, com participação de 19,08%, e pela Itausa, holding dona do Itaú Unibanco, que comprou recentemente, por R$ 1,3 bilhão, 10,2% da empresa.

Sua presença no saneamento no Mato Grosso do Sul vem desde 2005, quando a Equipav comprou, de um consórcio liderado pela empresa espanhola Aguas de Barcelona, a Águas Guariroba, concessão dos serviços de água e esgoto de Campo Grande. No mesmo ano, adquiriu a Prolagos, que presta serviços de água e esgoto em cinco  municípios da região dos Lagos, no Rio de Janeiro e, a partir de 2010, quando assumiu concessões no Mato Grosso, vem ampliando gradativamente sua atuação no setor, com presença em 49 municípios até novembro de 2020, quando mudou seu patamar de atuação em saneamento. Primeiro vieram as PPPs de esgotamento sanitário do Mato Grosso do Sul e de nove municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre. E no final de abril de 2021 participou do leilão para concessão de quatro lotes da Cedae, empresa estadual de saneamento do Estado do Rio de Janeiro, cujo critério de escolha era o maior valor de outorga oferecido por cada lote, vencendo dois – um deles com investimentos previstos de R$ 8,3 bilhões, arrematado com pagamento de outorga de R$ 8,2 bilhões, e o outro com investimentos previstos de R$ 16 bilhões, e outorga de R$ 7,2 bilhões. Com isso, a Aegea se espalha por doze estados brasileiros e 153 municípios, atendendo mais de 21 milhões de pessoas. Trata-se, portanto, de uma empresa com crescimento acelerado e audacioso no setor de saneamento, e que aparenta ter suporte financeiro forte.

A parceira pública da PPP, a Sanesul, é uma empresa de economia mista com 99,9% de capital do Estado, e responsável, desde 1979, pelos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário nos municípios que passaram a ser atendidos pela Aegea em esgoto.

A Ambiental MS Pantanal vai receber um conjunto não desprezível de instalações já em operação, construído pela Sanesul nos últimos anos: 230 Estações Elevatórias de Esgoto – EEEs, 75 Estações de Tratamento de Esgoto – ETEs, 3.788 km de rede, além de 259 mil economias de esgoto, em grande parte realizadas com recursos a fundo perdido da União e de contrapartida da Sanesul. Outras, em processo de finalização até 2023, quando concluídas, serão entregues depois de  registradas como ativos dos respectivos municípios, por envolverem recursos da União.

A PPP
A PPP do Esgotamento Sanitário foi uma iniciativa do governo do Estado do Mato Grosso do Sul para atrair capital privado para atividades até agora realizadas pelo poder público. Quem comanda o processo de contratação é o Escritório de Parcerias Estratégicas – EPE, ligado à Secretaria de Estado de Governo e Gestão Estratégica.

PPP é um contrato administrativo de concessão, em que o poder público que propõe a parceria – que pode ser a União, Estados, Distrito Federal e Municípios – é responsável total ou parcialmente pela remuneração do parceiro privado, diferentemente do que acontece nas concessões comuns, em que são os usuários dos serviços que pagam diretamente ao concessionário, como acontece, por exemplo, com energia elétrica. No caso desta PPP, trata-se de uma concessão administrativa, em que o órgão público contratante paga integralmente o concessionário. Embora a EPE tenha comandado o processo de escolha do parceiro privado, a contratante é a Sanesul, que continuará a cobrar a conta de água e de esgoto dos usuários dos serviços, e repassará os recursos relativos ao serviço de esgoto para a empresa privada. Se os recursos não forem suficientes, a estatal completará o valor ajustado no contrato.

O processo teve três etapas, pode-se dizer: um Procedimento de Manifestação de Interesse – PMI para escolha de um estudo, o ajuste do estudo e lançamento de um edital com todas as condições de prestação dos serviços, e o leilão para definição da empresa vencedora.

Quem se interessa? Façam suas propostas
O PMI foi lançado em junho de 2016, estabelecendo diretrizes para a elaboração de estudos técnicos destinados à universalização do sistema de esgotamento sanitário dos sessenta e oito municípios, um mínimo de 98% de cobertura de esgoto da área urbana da sede dos municípios, a ser alcançada em prazo de até dez anos a contar da implantação do Projeto, além da operação e manutenção por mais vinte anos – trinta anos no total. A população rural não foi contemplada, assim como cerca de sessenta distritos.

As empresas deveriam fazer os estudos a suas expensas, com valor limite de R$ 6,6 milhões, a serem ressarcidos apenas à empresa ganhadora do estudo pela empresa vencedora do leilão. “Uma das características dessa modalidade de contratação de estudo, é que a Sanesul não teve nenhuma despesa com os interessados que se propuserem a desenvolvê-lo” diz Edson Aparecido da Silva, Assessor de Saneamento da Federação Nacional dos Urbanitários – FNU, que congrega os sindicatos de trabalhadores em saneamento, entre outros, e é também Secretário Executivo do ONDAS.

Cinco empresas apresentaram documentação, e no início de setembro de 2016 quatro foram autorizadas: AEGEA Saneamento e Participações SA, Andrade Gutierrez Concessões SA, Infra Engenharia e Consultoria Ltda., e Telar Engenharia e Comércio SA. Mas apenas Andrade Gutierrez e Aegea apresentaram propostas de estudos, que foram avaliadas pela EPE, saindo vencedora a Aegea, no início de junho de 2017.

O estudo não era grande coisa
Os estudos da Aegea foram, então, analisados por um Grupo Técnico formado por equipes da Sanesul e do Governo do Estado, com apoio da consultoria Ernest & Young Assessoria Empresarial Ltda, e adequados para a modelagem do projeto que seria levado ao leilão. Obteve pontuação de 61,07%, pouco acima do mínimo exigido – 60%. Não era, portanto, nenhuma Brastemp. Foram necessárias várias revisões, que teriam, de acordo com o parecer do Grupo Técnico, levado à redução de 46,6% do investimento previsto no estudo, pois as obras em andamento foram abatidas do valor proposto, resultando num valor de investimentos de R$ 1,01 bilhão. As despesas operacionais, segundo o parecer, sofreram ajustes menores, e seu valor foi estimado em R$ 2,797 bilhões.

A tarifa máxima admitida no leilão foi fixada em R$ 2,21/m3, a data base da proposta em abril de 2019 e início do projeto em janeiro de 2020. O valor mensal da contraprestação paga pela Sanesul à concessionária será obtido multiplicando-se a tarifa contratual pelo volume médio por economia de água faturada e pelo número de economias de esgoto efetivamente conectadas à rede e faturadas, sendo setenta por cento do valor pago independentemente do desempenho e trinta por cento multiplicados por um Fator de Desempenho, o que seria, no dizer do edital, um incentivo à qualidade dos serviços.

Quem dá menos?
O leilão na B3 foi realizado no final de 2020, em duas etapas. Na primeira, no final de outubro, foram abertos os envelopes com a documentação exigida pelo edital e todos os quatro participantes foram habilitados. Na segunda, foram abertos no dia 5 de novembro os envelopes com as propostas comerciais do Consórcio Avançar BR, formado por seis empresas, da Aegea Saneamento e Participações SA, da Iguá Saneamento SA, e do Consórcio Cosams, composto também por seis empresas. A menor tarifa, de R$ 1,36/m3, foi oferecida pela Aegea Saneamento e Participações SA. Já haviam se passado mais de quatro anos desde que tinha sido lançado o Procedimento de Manifestação de Interesse, três anos desde a realização do estudo, e cinco meses desde o lançamento do edital. E muita coisa havia mudado, como se verá.

Para a execução do contrato administrativo de concessão, a Aegea precisou criar uma Sociedade de Propósito Específico – SPE para não misturar as contas e gestão desse contrato com outros que a empresa detém. A Ambiental MS Pantanal SA é essa SPE, que assina o contrato com a Sanesul. O valor do contrato, previsto no edital, é de R$ 3,807 bilhões.

A SPE receberá a contraprestação por meio de uma conta vinculada aberta pela Sanesul, onde serão depositados os valores das contas pagas pelos usuários. O banco transferirá para a conta da SPE o valor da contraprestação. Eventuais atrasos no pagamento da Sanesul à Pantanal serão corrigidos “pro rata tempore” pelo IPCA do IBGE, acrescido de juros de mora de 2%, mais os juros correspondentes aos dias de atraso, com taxa de juros utilizada no pagamento de impostos estaduais. E para que a empresa não corra o risco de não receber os valores a que faz jus todos os meses, a Sanesul manterá também, no mesmo banco, uma Conta Garantia, com recursos depositados desde a data da emissão da Ordem de Serviço do contrato, no valor de 120% do valor médio da contraprestação estimada para os três meses seguintes.

Segundo o contrato, os riscos da operação serão divididos entre os dois parceiros. No entanto, como era de se esperar, os riscos maiores ficam com o parceiro público. São responsabilidade da Pantanal todos os custos e ações penais e cíveis decorrentes da operação, inclusive o risco cambial e os riscos ambientais. São de responsabilidade da Sanesul os problemas decorrentes de desconformidade em obras de sua responsabilidade que serão entregues à Pantanal, a eventual retomada dos serviços por parte de municípios atendidos pela Sanesul e a inadimplência das tarifas de esgoto. Ou seja, os riscos financeiros correm por conta do parceiro público, eliminando, praticamente o risco do negócio, uma vez que os riscos atribuídos à Aegea são os decorrentes de sua eventual negligência. Uma revisão ordinária do contrato deve ocorrer a cada três anos, e os reajustes anuais serão feitos com base no IPCA do IBGE.

Todos os contatos com os usuários dos serviços continuarão sendo realizados pela Sanesul, como se a Pantanal fosse uma terceirizada. Deverá receber queixas e reclamações, apura-las junto à Pantanal, e responder aos usuários, mantendo estrutura suficiente e adequada para atendimento. A Pantanal deverá pagar mensalmente um “pedágio” à Unidade Central da PPP, da EPE, no valor de 0,5% do que receber da Sanesul, para “auxiliar no custeio de administração e de manutenção” do órgão, de acordo com a minuta de contrato. A regulação pela Agepan – Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos do Mato Grosso do Sul – será indireta, ou seja, as normas impostas à Sanesul serão repassadas à Pantanal. Nenhuma palavra sobre pagamento de taxa de regulação pela nova concessionária no contrato, despesa que será arcada pela companhia estadual!

Um processo questionado
Na consulta pública do edital da concorrência, ao lado de sugestões, empresas potencialmente interessadas na PPP fizeram questionamentos sobre algumas regras definidas pela EPE. Os principais eram relativos à qualificação técnica exigida da licitante e de seus técnicos, e à capacidade financeira da empresa.

Em relação à qualificação técnica, o questionamento mais consistente, no entanto, não foi de uma empresa, mas partiu da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – ABES, Seção MS, entidade formada por profissionais de saneamento, sem interesse direto no processo. A ABES chamou  atenção para as características especiais do Mato Grosso do Sul, o sexto maior estado brasileiro em extensão, cuja área está distribuída em três biomas – cerrado, mata atlântica e pantanal, cuja grande fragilidade apontada pelos estudiosos, indicaria que os parâmetros no Item Qualificação Técnica fossem mais exigentes, o que, no seu entender, “não foi posto na Minuta do Edital”. Para a entidade, seria importante assegurar que as empresas concorrentes comprovassem capacidade de gestão simultânea de tantos sistemas e de diferentes tipos de estação de tratamento adotados no Estado.

Quanto à capacidade financeira, por trás dos questionamentos de empresas poderia estar uma preocupação não explicitada, mas revelada pelo Sindágua – Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos no Estado do Mato Grosso do Sul: a exigência de comprovação de realização de empreendimento de grande porte da ordem de R$ 500 milhões, “coincidentemente o valor dos financiamentos obtidos pela Aegea para o projeto Sanear Morena I e II, de Campo Grande – R$151,7 milhões em 2007, R$170,0 milhões em 2013 e R$ 187,5 milhões em 2015, totalizando R$ 508 milhões”, diz o presidente do sindicato, Lázaro de Godoy Neto.

Além disso, dois aspectos de fundo na forma como foi montada e conduzida essa PPP chamam a atenção. O primeiro diz respeito ao fato da Sanesul não ter feito uma consulta formal aos municípios – e município não quer dizer prefeito – sobre a transferência dos serviços a ela concedidos por meio de contratos, o que exigiria, no mínimo, audiência pública em cada município. A necessidade de consulta prévia aos municípios concedentes foi levantada pelo deputado estadual Pedro Kemp, do PT em requerimento remetido à estatal solicitando esclarecimentos. “A Sanesul e governo do Estado deveriam ter feito uma consulta formal aos municípios antes de ceder um serviço cuja titularidade é dos municípios a uma empresa privada, num processo orquestrado pelo Governo do Estado”, afirmou o deputado.

A necessidade de consulta formal aos municípios também é compartilhada por Edson Aparecido da Silva, do ONDAS: “como houve necessidade de audiências públicas e autorização legislativa para a celebração dos contratos de programa, também deveria haver para a realização da PPP. Afinal, há alteração do pactuado no contrato (instrumento jurídico perfeito) entre o município e a Sanesul”, afirma. Trata-se, portanto, de importante fragilidade da PPP, pois a EPE fez apenas uma única audiência, em Campo Grande.

O segundo aspecto também envolve a relação da Sanesul com os municípios e diz respeito ao prazo de vencimento dos contratos. A BRK Ambiental Participações SA, uma das maiores empresas privadas que atuam em saneamento no Brasil, levou mais longe suas objeções ao edital e entrou com pedido de suspensão da licitação junto ao Tribunal de Contas do Estado – TCE. Alegou, entre outras coisas, que o prazo da PPP extrapola o período dos contratos de programa assinados pela Sanesul com os municípios, o que, diante da Lei 14.026/2020, que altera o marco legal do saneamento, impediria que a contratada cumprisse o contrato, pois os municípios deveriam retomar os serviços ou licitar nova concessão ao final de seus contratos com a Sanesul. O TCE suspendeu a tramitação da PPP por um mês, mas acabou acatando os argumentos da Comissão de Licitação, que julgou a alegação improcedente, e mandou retomar o processo, sem sequer comunicar o Ministério Público de Contas. A mesma objeção é levantada em Ação Popular que corre em Campo Grande contra a PPP, proposta por Lázaro de Godoy Neto,  argumentando que a Sanesul não pode ter nenhum contrato com terceiros cujo prazo seja superior ao das delegações vigentes, condicionante prevista em cláusula dos contratos que a estatal mantém com todos os municípios para prestar serviços. “Não foi observado o princípio da Boa-Fé Objetiva de que não se pode ofertar o que não possui, nem mais do que possui”, argumenta a Ação Popular.

Há outras ações judiciais em andamento. Procedimentos de Investigação iniciados em Dourados, Três Lagoas e Bonito foram remetidos à 31a. Promotoria de Justiça de Campo Grande, onde estão sendo centralizadas as denúncias relativas à PPP. E em Corumbá corre um processo investigatório na 5ª Promotoria de Justiça local. Todos argumentando que os serviços de saneamento devem ser públicos e que a PPP não se justifica. Recentemente, o Ministério Público Federal abriu inquérito civil para apurar denúncia apresentada em 2019 sobre o uso de bens públicos construídos com recursos da União por empresa privada, o que ocorrerá com a transferência à Ambiental MS Pantanal dos ativos de esgoto da Sanesul que utilizaram recursos do PAC, OGU e do Programa Avançar Cidades, do governo federal.

A PPP era mesmo necessária?
O Mato Grosso do Sul invadiu os lares brasileiros quando em 1984 uma série de oito reportagens do Globo Rural acompanhou ao longo de um mês e meio o transporte de uma grande boiada desde o Pantanal até o Estado de São Paulo. O sucesso foi tão grande que outras viagens de boiadeiros com seus rebanhos de mais de três mil cabeças atravessando o pantanal encharcado em busca de pastos em áreas secas ganharam a telinha. Depois, na novela “Pantanal”, Juma Marruá, linda mulher que se transformava em onça, atraiu as atenções para as deslumbrantes paisagens do estado, com jacarés à beira d’água, revoadas de tuiuiús e chalanas subindo e descendo os rios largos. Tudo ao som da viola de Almir Sater e “modas” tocadas e cantadas ao pé do fogo.

Suas vastas extensões de terra plana, propícias à agropecuária, abrigam o quinto maior rebanho de gado bovino do país. Mas também o cultivo de erva mate, soja, cana de açúcar e outros produtos, que tornam o estado um importante polo do agronegócio do país. Seu IDH – 0,729 em 2018, é considerado alto e o rendimento mensal domiciliar per capita é de R$ 1.488.

O estado ocupa uma área do tamanho da Alemanha e, segundo estimativas do IBGE para 2020, abriga uma população de 2,8 milhões de habitantes, bastante concentrada em quatro cidades: Campo Grande, com pouco mais de 900 mil, e Dourados, Três Lagoas e Corumbá, que juntas totalizam 460 mil habitantes. Outros quatro municípios têm entre 50 mil e 90 mil habitantes. E além dos vinte e cinco cuja população fica entre 20 mil e 50 mil habitantes, há quarenta e seis pequenos municípios espalhados por seu amplo território. Grande parte dos investimentos recentes foram feitos nos maiores municípios, tornando os restantes, de certo ponto de vista, mais fáceis, muitos em municípios com poucas ruas com cobertura asfáltica a ser rasgada para assentamento de rede e estações de tratamento que utilizam tecnologias mais simples.

A Sanesul está entre as companhias estaduais de saneamento com melhor desempenho econômico – financeiro. Apresentou superávit operacional de 12,72% em 2019, segundo o Sistema de Informações sobre Saneamento – SNIS 2019, o último disponível quando este texto foi escrito, atrás apenas da Cesan, do ES, (24,23), Sanepar do PR (18,64%), Sabesp, de SP, (17,42%) e Copasa, de MG, (14,31%). No final daquele exercício, a liquidez corrente era de 1,35 e a liquidez geral de 0,56, índices que medem a capacidade de honrar os compromissos no curto e longo prazo, respectivamente. E comparecia no ranking das companhias na quarta melhor posição para o grau de endividamento, de 0,25. Poderia, portanto, ter acesso a financiamentos para novos investimentos, se quisesse.

Surpreende, portanto, que justamente esta empresa, neste Estado, tenha decidido entregar para a o capital privado a prestação dos serviços de esgotamento sanitário. Mais ainda porque chama a atenção o investimento consistente que vem sendo feito pela estatal com recursos federais a fundo perdido.

O governador do Estado, Reinaldo Azambuja, do PSDB, no cargo desde 2015 (foi reeleito em 2018), se esforçou nos últimos anos para conseguir ainda mais recursos federais para investimentos em saneamento no Mato Grosso do Sul. E a Sanesul conseguiu aprovação da agência reguladora, Agepan, para uma revisão tarifária, que lhe garantiu condições para levar adiante seu plano de investimentos, aportando as contrapartidas exigidas. Entretanto, o que parecia interesse pela melhoria da salubridade ambiental nos municípios, na verdade foram esforços para preparar o terreno para a privatização, tornando o negócio mais atrativo ao parceiro privado, reduzindo seus investimentos na PPP.

Críticos da PPP apontam que a empresa tem ampliado o atendimento à população, demonstrando que em poucos anos poderia chegar à universalização. A cobertura dos serviços de esgotamento sanitário era muito baixa em 2006, quando recursos federais expressivos começaram a fluir para o Estado. Naquele ano, apenas dez por cento dos domicílios servidos pela Sanesul com ligação de água tinham uma ligação de esgoto. De lá para cá, o percentual evoluiu com taxas de crescimento “chinês”, em média 14,7% ao ano, de acordo com dados do SNIS. E foram também implantadas redes, ETEs e EEEs.

Em apresentação feita em 24 de março de 2021, no Seminário “Políticas Públicas de Saneamento Básico” promovido pelo ONDAS, o presidente do Sindágua mostrou como vem sendo feitas essas obras: cerca de R$ 690 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC Funasa e PAC Cidades, de 2007 a 2016 e, cerca de R$ 400 milhões provenientes do programa Avançar Cidades 1 e 2, obtidos entre  2017 e 2019, além das contrapartidas oferecidas aos recursos federais. Entre a escolha do estudo da Aegea em 2017 e o lançamento do edital para o leilão passaram-se três anos. E não foram quaisquer três anos. Entre 2018 e 2020, a Sanesul continuou investindo em seus sistemas. E no próprio edital há um Anexo que detalha as obras que continuarão a ser feitas pela Sanesul, com as quais a população atendida com esgoto, que era de 55% em 2019, passará para 78,5% em 2023.

O  caso das quatro maiores cidades do Estado é exemplar. Em Dourados, com população de 188 mil habitantes, o sistema implantado pela Sanesul hoje já tem cobertura de 83% e estará próximo de 93% de atendimento em 2023, depois de concluídos os investimentos de R$ 137milhões do Orçamento da União (OGU). A cobertura de Três Lagoas será de 97% dos 130 mil habitantes com os investimentos de R$ 100 milhões, em obras que estão sendo finalizadas pela Sanesul. Em Corumbá, com 115 mil habitantes, a Sanesul está aplicando R$ 93 milhões, o que elevará para 95% a cobertura de esgoto em 2023. Já Ponta Porã, com investimentos de R$ 23 milhões, em 2023 terá 80% de sua população de 94 mil habitantes atendida, tudo com recursos do OGU. E para não deixar de mencionar mais uma vez as belezas naturais do estado, o sistema de Bonito, eleito por dezesseis vezes o melhor destino do ecoturismo do mundo, já está universalizado desde 2010 e com tratamento de nível terciário, o mais eficiente do ponto de vista da qualidade do efluente, integralmente realizado com recursos da Petrobras. E da mesma forma os sistemas de Bodoquena e Porto Murtinho, onde os investimentos foram feitos com recursos da Fundação Nacional de Saúde – Funasa, e Programa de Desenvolvimento do Turismo – Prodetur.

A própria Procuradoria Geral do Estado, em defesa apresentada em Ação Civil Pública que tenta defender a viabilidade da PPP, confirma que “os investimentos que serão feitos pela PPP nos próximos dez anos são da ordem de R$ 683 milhões apenas, e que a Sanesul até o ano de 2024 estará investindo R$ 694 milhões de reais” – já que uma parte dos R$1,01 bilhão previstos para investimento será empregado em outras ações, como compra de veículos e licenças ambientais, por exemplo.

Os investimentos da Sanesul poderiam ser ainda maiores, não fossem os pagamentos de dividendos a seu acionista majoritário. O governo do Estado tem sido tributário dos resultados positivos da empresa. Apenas no período de 2015 a 2020, de acordo com o balanço da empresa, a Sanesul entregou ao seu controlador, como dividendos, R$ 242 milhões; se estivesse realmente preocupado com a universalização do sistema de esgotamento sanitário teria reinvestido esses recursos na ampliação e melhoria dos serviços.

Outra questão relevante dessa PPP é o destino dos trabalhadores envolvidos nos serviços de esgotamento sanitário. Na consulta pública do edital, Márcio Antônio da Cruz, da Sanesul, quis saber como ficariam esses funcionários. A resposta foi dada pelo próprio presidente da empresa, Walter Carneiro Jr, afirmando que a empresa vai fazer uma “readequação no quadro de funcionários”. A preocupação também é expressa em nota do Sindágua, de setembro de 2020, em que se posiciona contra a PPP. Lembra que a Sanesul fez concurso público para técnicos e agentes de esgotos em 2013, a validade do concurso foi prorrogada e, mesmo iniciando os trabalhos da PPP em 2015, com estudos avançados e decisão tomada para sua efetivação, deu posse a mais de 140 concursados para atuarem no setor de esgotos, em dezembro de 2017 e início de 2018. “Muitos deixaram seus empregos, mudaram de estado ou município com suas famílias e, simplesmente não sabem se estarão empregados ou não”, diz a nota.

A questão da manutenção dos quadros técnicos da empresa é levantada também pelo presidente da ABES- MS, Aroldo Galvão: “As companhias estaduais de saneamento têm um patrimônio intelectual que vem desde 1966 e esse quadro de pessoal não pode simplesmente ser alijado.” E lembra que as agências reguladoras têm um papel fundamental para fazer com que a população participe do controle social e acompanhe de perto esse contrato de PPP. “A ABES tem que ser mais incisiva e ficar de olho nas agências reguladoras, de modo geral”, diz ele. E tem razão, especialmente neste caso em que a Agepan fará apenas uma regulação indireta do contrato, como se viu.

Um jabuti em cima da árvore
Serviços de saneamento básico são essenciais. E por essa razão há mais de um século são, na maior parte dos casos, prestados pelo setor público no Brasil, como em grande parte do mundo, orientados por critérios de saúde pública. De uns anos para cá, entretanto, a pressão pela privatização desses serviços aumentou muito, sob alegação da necessidade urgente de sua universalização, ainda não alcançada.

Ninguém, em sã consciência, pode negar a urgência dessa universalização. Entretanto, paradoxalmente, os locais que têm baixas coberturas e, portanto, demandam mais atenção para universalizar os serviços, onde o aporte de capital seria mais necessário, não são atrativos para o setor privado, que busca negócios lucrativos e com baixo risco. E o caso dessa PPP ilustra isso muito bem. Há quinze anos atrás, quando apenas 10% dos domicílios ligados à rede de água no Estado dispunham de uma ligação de esgoto, não se cogitou a privatização dos serviços para se atingir mais rapidamente a universalização, simplesmente porque, provavelmente, ninguém se interessaria. Mas agora, a situação é diferente.

O Governo do Estado do Mato Grosso do Sul expõe, no site do EPE na internet, as razões para sua iniciativa. Destaca, entre outras a modernização dos sistemas de esgoto existentes, a prestação de serviços mais eficientes, a melhor qualidade de vida e saúde para a população, a valorização imobiliária nos municípios, a redução dos gastos com saúde, a atração de novos investimentos em todas as regiões do Estado, e o alívio na pressão das contas públicas. E garante que não haverá aumento das tarifas praticadas atualmente e nem aumento de impostos para cobrir investimentos do projeto.

São objetivos nobres. Entretanto, a suposição de que se possa alcançá-los por meio da privatização dos serviços de esgotamento sanitário está longe de ser uma unanimidade. O Sindágua MS explica em sua nota porque não concorda com a PPP, pois defende que o Estado assegure o acesso a esses serviços em condições isonômicas. “Entendemos que saneamento básico, além do aspecto ambiental, se insere no direito à saúde, à vida e à dignidade da pessoa humana, fundamentos da República; portanto não pode ser delegado ao setor privado, cujo foco é apenas o lucro”.

Todo o sistema de esgotos geridos pela Sanesul, construído com recursos orçamentários federais – portanto de contribuintes de todo o país – e com receitas das tarifas pagas pelos usuários sul-mato-grossenses, está sendo entregue à exploração da Aegea, que desde o primeiro dia começa a auferir lucros, mesmo sem investir um tostão. Os números de economias projetados no edital da licitação da PPP, que serviram de base para as empresas fazerem seus lances no leilão, são pelo menos 20% menores que o real, pois a data base utilizada no edital foi abril de 2019, e a Ambiental MS Pantanal assumiu os serviços em maio de 2021, período em que a Sanesul, como se viu, não ficou parada. Trata-se, portanto, de receita extra para a concessionária, dinheiro fácil. Parte dos lucros da operação vai engordar as reservas internacionais de Singapura e os lucros do Itausa, algo totalmente estranho aos interesses da saúde pública do povo do Mato Grosso do Sul.

Pior ainda. Pela forma como foi construído o contrato, os riscos financeiros da PPP recaem sobre a Sanesul. A ausência de risco foi cuidadosamente azeitada pelo desenho da PPP, para garantir o pagamento à Aegea. O risco decorrente da eventual retomada dos serviços por algum município serão arcados pela Sanesul, como já mencionado. Nos primeiros anos da concessão vencem contratos em apenas dois municípios, mas em 2038 serão mais treze. E até 2041, dez anos antes do término do contrato da PPP, vencem outros vinte e quatro, totalizando trinta e nove municípios, mais da metade dos operados atualmente. Esses municípios terão que licitar uma nova concessão ou assumir a prestação direta dos serviços, o que poderá causar elevação das tarifas cobradas nos municípios que continuem operados pela  Ambiental MS Pantanal ou se transformar em litígio de proporções incalculáveis com a própria Sanesul.

O diretor-presidente da Sanesul, Walter Carneiro Jr apresentou em uma videoconferência o modelo da PPP aos prefeitos dos municípios concedentes, ao lado de diretores na nova empresa, dez dias antes da Aegea assumir os serviços. De acordo com material distribuído pela Assessoria de Comunicação da Sanesul, Carneiro Jr afirmou que “esse modelo de PPP é pioneiro no Brasil. Várias companhias de saneamento já estiveram nos visitando na sede da Sanesul para conhecer” disse. Segundo ele, trata-se de um marco histórico do saneamento no Brasil. “Seremos o primeiro estado no Brasil a ter o sistema de esgotamento sanitário totalmente universalizado”.

O presidente da Associação dos Municípios do Estado do Mato Grosso do Sul e prefeito de Nioaque, Valdir Couto de Souza Jr, declarou na ocasião que “essa PPP não vai garantir só a universalização do sistema de esgotamento sanitário, mas sim, antes de tudo, levar desenvolvimento em diversas áreas da administração municipal. Começa pela saúde, interfere no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) das cidades e consequentemente aumenta a receita dos municípios”, afirmou.

Será? Esse otimismo pode não reverter, necessariamente, em apoio incondicional ao projeto, pois as concessões privadas não costumam ser um lago de águas calmas.

O capital financeiro domina o saneamento privado
As pressões pela privatização dos serviços de saneamento são antigas e integram o grande ajuste neoliberal do final dos anos 1980 e 1990, experimentado primeiro na Inglaterra e Estados Unidos, com Margareth Tatcher e Donald Reagan, e depois espalhado para países endividados da periferia do capitalismo pelo que ficou conhecido como Consenso de Washington. Eram medidas econômicas impostas pelos países mais desenvolvidos para superação da profunda crise financeira decorrente do agravamento da crise da dívida externa desses países, no final da década de 1980. Recomendava o enxugamento do setor público, a venda de empresas estatais e o arrocho dos direitos dos trabalhadores, de forma que o Estado nacional pudesse gerar superávits primários para pagamento de suas enormes dívidas, externa e interna. Para isso, o Estado não poderia investir em infraestrutura, como vinha fazendo nos anos anteriores.

No caso do saneamento básico, os investimentos feitos com recursos do FGTS foram praticamente proibidos, em acordo assinado com o FMI em 1998, restando apenas alguns parcos recursos do Orçamento da União, combalido pela crise. Muitos Estados, cujo pagamento dos juros da dívida com a União inviabilizava o atendimento de necessidades urgentes e importantes para a população, foram impelidos pelo governo federal a alienar parte das ações de suas companhias estaduais de saneamento para renegociar essas dívidas, muito grandes na época. O BNDES negava financiamento aos municípios, mas financiava a privatização, como ocorreu no caso dos serviços de esgoto de Ribeirão Preto, em São Paulo.

Algumas tentativas de fazer concessão a empresas privadas na década de 1990 foram barradas pela mobilização dos usuários que defendiam os serviços públicos. Outras prosperaram. No caso das companhias estaduais, a ameaça representada pela possibilidade de rompimento do contrato por parte de municípios importantes do ponto de vista da receita das empresas, tornou a compra das companhias um negócio arriscado para as empresas. O caminho de comprar ações na Bolsa das maiores companhias e auferir os dividendos, pareceu o melhor na época.

O tempo passou, mas o governo federal tenta manter ainda um forte ajuste fiscal, com a mesma receita de anos atrás. Promoveu, por meio da Lei 14.026, a alteração do marco legal do saneamento, no final do ano passado, que veda a celebração de contratos entre municípios e companhias estaduais sem licitação. A lei anterior, aprovada em 2007, permitia contratos de programa, celebrados entre o município e a companhia estadual de saneamento, desde que autorizados por lei, tanto do Estado como do município – era a parceria público-publico.

A situação de hoje é diferente. A pressão pela privatização dos serviços, inflada por editoriais dos principais jornais da grande imprensa, que clamaram, com insistência para a entrega dos serviços à iniciativa privada, para se alcançar a tão sonhada universalização dos serviços, criou um ambiente favorável a projetos como o adotado pela Sanesul. E as empresas privadas que hoje se oferecem para a privatização são bem diferentes daquelas dos primeiros tempos, em que pequenas empresas de consultoria e construção que prestavam serviços ao setor se aventuraram na privatização, e muitas deram com os burros n’água.

O professor Renan Almeida, da Universidade Federal de São João Del Rei, em sessão do seminário promovido pelo ONDAS do dia 31 de março deste ano, mostrou que há uma razão bem objetiva para isso. O setor de saneamento aumentou sua participação na economia mundial após a recessão de 2008, diz ele, porque o capital financeiro que sobrava na crise estava buscando alocação com pouco risco. Particularmente no Brasil, o setor cresceu, de 2000 a 2014, mais do que a média do mundo. Só entre 2007 e 2010, os investimentos, ajustados pela inflação, cresceram 77%, graças ao Programa de Aceleração do Crescimento – PAC. Entre 2010 e 2016, o retorno sobre patrimônio liquido em projetos de água e esgoto foi de 11,3% e a margem de lucro foi de 13,3%, mais que o dobro das demais empresas. Tornou-se negócio atraente, portanto.

Isso mudou o universo das empresas interessadas em atuar no saneamento e trouxe o capital financeiro diretamente para dentro das empresas. Pesquisa elaborada pelo Instituto Mais Democracia em parceria com a Fundação Heinrich Böll “Quem são os Proprietários do Saneamento no Brasil?”, apresentada durante a realização do Fórum Alternativo Mundial da Água – FAMA, realizado em março de 2018, em Brasília, mostrou que fundos de investimento e instituições financeiras participam de quinze dos vinte e seis grupos que atuam no saneamento. Entre os maiores grupos estão a Aegea, a BRK e a Iguá, as duas últimas controladas inteiramente por fundos financeiros, muito poderosos frente aos estados e municípios brasileiros.

Em meados dos anos 1990, quando a onda de privatização do saneamento passou pelo Brasil, o Tribunal de Contas da França, país que adotou serviços privados de saneamento há muitas décadas, e onde cresceram duas das maiores empresas internacionais do setor, apontou as elevações de tarifas, atrasos nos investimentos e recurso ao setor público para sua realização, aumento dos custos pela associação entre empresas consultoras e operadoras dos serviços, e a fragilidade dos concedentes diante das poderosas empresas como razões para não recomendar as concessões privadas. Agora é a vez do Tribunal de Contas da União Europeia sugerir cautela na contratação de PPPs.

Em palestra “As PPPs no saneamento básico: promovendo acesso universal aos serviços?”, realizada no Seminário promovido pelo ONDAS já citado, o Professor Luiz Roberto Santos Moraes, da Universidade Federal da Bahia – UFBA, apresentou dados de um estudo feito pelo Tribunal de Contas da União Europeia, que auditou uma amostra de 1.749 PPPs realizadas em 4 países – Grécia, Irlanda, França e Espanha – desde a década de 1990, com valor total de 336 bilhões de euros. Os resultados não são bons para as PPPs e foram consolidados no livro “Parcerias Público Privadas na UE: insuficiências generalizadas e benefícios limitados”.

Os auditores constataram, entre outras falhas, o enfraquecimento da posição de negociação das autoridades concedentes, atraso nas construções e grandes aumentos de custos. Também constataram que os processos de preparação das PPPs se basearam em cenários com demandas infladas, resultando em taxas de utilização dos projetos de 35% a 65% inferiores às previstas. Ademais, recursos adicionais foram gastos de forma ineficaz. Para o Tribunal, a abrangência, prazos longos e custo elevado dos contratos precisam de especial acompanhamento por parte dos contratantes e órgãos de regulação, o que exige uma capacidade administrativa considerável, que só quadros institucionais e jurídicos qualificados e uma longa experiência na execução desse tipo de projeto podem assegurar, o que, no seu entender, poucos estados membros da União Europeia reúnem atualmente. Diante desse quadro, recomendou não promover utilização intensiva e generalizada das PPPs até que as questões identificadas sejam resolvidas.

Moraes analisou também trinta contratos de PPP em Portugal, onde os serviços de água, esgotos e resíduos no país são regulados pela Entidade Reguladora de Águas e Resíduos – ERSAR, que identificou que das vinte e cinco tarifas mais elevadas no país, vinte e quatro são praticadas em contratos de PPP.

“A PPP de esgotamento sanitário da Sanesul parece um jabuti em cima de uma árvore. Como jabutis não sobem em árvores, quem o colocou lá deve ter seus motivos. Acompanhar seu desenvolvimento é importante, para tentar entender quem colocou esse jabuti na árvore e porque, e esclarecer o que ganham os agentes que promovem a PPP no Mato Grosso do Sul, favorecendo o privado  em prejuízo do público”, alerta Marcos Montenegro, Coordenador-Geral do ONDAS.

O enfraquecimento da Sanesul com a PPP será uma consequência inevitável. Ela fica menor, reduz sua influência nos municípios, enquanto a Aegea põe seus pés em todos eles e amplia sua presença no estado em um só lance. Em acordo de delação premiada da JBS, gigante do mercado da carne, Ricardo Saud, ex-diretor da empresa,  sugeriu que havia um compromisso de vender a Sanesul ao capital privado. Podemos estar assistindo à realização dessa vontade, por um método fatiado. O próximo passo será a entrega dos sistemas de abastecimento de água? Mais uma razão para desmascarar quem colocou o jabuti em cima da árvore. Antes que outro “suba”.

[i] Téia Magalhães – Arquiteta urbanista, consultora, colaboradora do ONDAS.

MATÉRIA PUBLICADA ORIGINALMENTE NO SITE DO ONDAS