Mulheres na luta pela vida e por direitos!
Neste 8 de março, integrantes do Coletivo Nacional das Mulheres Urbanitárias gritam também para que as entidades sindicais reflitam sobre a importância do trabalho das mulheres na luta coletiva: “queremos ser respeitadas, valorizadas, ouvidas nos espaços decisórios, queremos ter autonomia sobre as nossas pautas e não estamos apenas cumprindo cotas regimentais”, explica Leila Luiz, Secretária de Mulheres da FNU.

Leia a carta do CNMU – Coletivo Nacional das Mulheres Urbanitárias:

A UNIÃO DAS MULHERES URBANITÁRIAS: ENFIM, A HIPOCRISIA!!!

Considerando os princípios básicos da FNU – Federação Nacional dos Urbanitários, CNU – Confederação Nacional dos Urbanitários, bem como de suas entidades filiadas e afins, o tema central desta carta é a participação política das mulheres no movimento sindical urbanitário, avaliando a assimilação das pautas de inclusão do sindicalismo feminista e o RESPEITO no espaço de organização da classe trabalhadora.

A nossa análise passa por uma retomada de direitos pela vida e princípios a favor dessas trabalhadoras que, sem dúvida alguma, são protagonistas de lutas que superam as demandas específicas das várias categorias que compõem o nosso ramo. Essas lutas sempre foram realizadas a partir da disponibilidade hercúlea e debaixo das várias jornadas de trabalho dessas companheiras que, no enfrentamento entre o capitalismo e o patriarcado, optaram pela parceria lado a lado aos companheiros do movimento sindical e dos movimentos sociais, priorizando o desafio da unidade com pautas de reconstrução do país numa perspectiva da soberania nacional, combatendo as privatizações e os desmandos políticos desse governo fascista, ou seja, a agenda dessas mulheres extrapola os marcos internos da categoria urbanitária e seus ramos, que são  essenciais à vida, através da água, saneamento, gás, eletricidade e afins.

Entretanto, ultimamente, um dos maiores desafios tem sido os enfrentamentos internos por igualdade, unidade e respeito à essas mulheres.

Como se não bastasse esse desgoverno no nosso país, liderado por um genocida e fascista que viola todos os nossos direitos trabalhistas e nos nega condições básicas de vida, ainda temos que lidar com atos seríssimos de violações internas contra as mulheres da nossa categoria e ramos.

É lamentável, depois de tantas lutas e contribuições, ainda termos que lidar com situações tão criticadas lá fora e tão ignoradas ou amenizadas internamente, por boa parte dos homens, e pasmem, com apoio ou negligência de algumas mulheres. A todo momento uma de nós é vítima do machismo que nos expõe a situações de assédios, menosprezo do feminino, violência psicológica, destruição da nossa autoestima, que nos transforma em objetos decorativos e até nos recepcionam com a possibilidade de uma boa diversão. E não para por aí, sofremos ainda com a supressão dos nossos espaços decisórios de poder e a subestimação da nossa capacidade de fazer política.

O nepotismo tão combatido dentro de várias instituições privadas, públicas e políticas, não tem incomodado em nada dentro do movimento sindical, e tem sido o combustível para continuidade das velhas articulações e manipulações políticas nas esferas de poder desses espaços. Somos seduzidas a todo momento a cumprir uma agenda machista, em troca de “proteção” e garantia de nossos espaços e, o mais terrível, é que se cria a ideia de que somos empoderadas por estarmos ao lado de

grandes figuras do movimento, e perdemos o foco da nossa luta diária, que é combater a lógica da opressão, e logo passamos a fazer parte desse sistema, perdendo a oportunidade de mudá-lo.

A sedução da agenda machista para a “proteção” das mulheres dentro do movimento sindical, é praticamente, uma “venda” casada, e a mulher que se opõe, sofre com diversas tentativas de desconstrução de sua história em defesa da causa coletiva, e quando não conseguem nos seduzir, começam a construir falsas narrativas para nos desqualificar. É a pauta de alguns casais, que tem tido prioridades, frente as pautas coletivas, é a voz masculina que dá o tom. Ao nos “recepcionar com a possibilidade de uma boa diversão” eles, com anuência de algumas mulheres, vão construindo as bases para “expulsar” as mulheres que se contrapõem ao nepotismo e a “proteção”.

A estratégia discursiva de negativa de nossa imagem, por vezes, vem com rótulos: “ela é o problema, só faz confusão, não contribui, é louca, mal amada, não tem condições de tocar tal pasta, não entende nossas brincadeiras, entre outras”.

Além do assédio moral, lidamos com as reações agressivas em nossas direções. E as mulheres que formam os casais com os homens, principalmente os que são vistos como “grandes lideranças”, assistem a violência contra nós inertes, referendam e até presidem as reuniões para que os horrores aconteçam. Outras, que mesmo não formando casal, mas se utilizando de outros recursos da política rasteira e conseguem se colocar nos espaços desejados por medo de perder seus espaços e “privilégios do cargo”, também preferem não se indispor com os homens para acudir a companheira que está sendo atacada, e ainda apostam no jogo duplo: “te diz que pode contar com ela, te ouve, descobre suas fragilidades e as expõe para que os homens concluam seu trabalho de exclusão daquela que julgam a pedra de tropeço no caminho deles”.

A estratégia discursiva é de desconstrução de nossa imagem, caso não caminhemos lado a lado com a pauta machista. Sim, é doloroso constatar que no movimento sindical tem machismo, nepotismo, tem mulheres que, juntamente com seus companheiros, estão substituindo a causa coletiva pela causa individual, ou pela causa que atenda àquele casal.

Até quando mulheres como nós, comprometidas com a luta, empenhadas em dar o nosso melhor sem barganhas, seremos usadas e descartadas? Ou sobrecarregadas do trabalho burocrático, administrativo e de organização de nossas lutas, enquanto os homens seguem dominando toda articulação política e definindo onde vamos ficar?

O tão criticado patriarcado que coloca inúmeros obstáculos para impedir ou dificultar a participação feminina nos diversos postos de poder e na política está em pleno vapor dentro do nosso ramo. Mulheres aguerridas e compromissadas com a luta sindical, ainda estão no estágio de brigarem para fazer o mínimo dentro dos espaços que conseguem chegar, quando já era para termos superado a luta para garantir a paridade, que só existe nos regimentos de nossas entidades.

Olhem para nossas entidades, reflitam sobre a estrutura que alimentamos, quantos anos estamos sendo lideradas pelas mesmas figuras masculinas? Figuras que quando convidadas para essa reflexão, terão diversas justificativas, dentre elas a de que somos nós mulheres que não nos apresentamos para a luta, o que é uma grande mentira. 

Estamos sempre nos apresentando para a luta, mesmo com todo acúmulo de atividades que a rotina de uma sociedade machista nos impõe, deixamos muitas vezes nossas famílias, nossa vida social, para lutar por dias melhores e defender nossos

direitos, e quando não somos boicotadas pelas direções das nossas entidades, somos aceitas dentro das regras deles, que continuamente nos recebem com várias restrições, para que não tenhamos condições de avançar nas nossas pautas e trazer outras mulheres.

Já está mais do que na hora das mulheres reagirem ao cumprimento dessa pauta machista que nos submete a participar das direções de nossas entidades, apenas para cumprimento de cotas, pois enquanto continuarmos dizendo “amém” para tudo que eles querem, continuaremos estacionadas e brigando entre nós, coisa que eles adoram quando acontece, para desviar o foco do nosso problema maior, que é a ocupação justa dos espaços, o respeito por nossa luta e a valorização do nosso trabalho.

Não dá mais para continuar fingindo que está tudo bem, usando o 8 de março para mostrar o quanto o papel da mulher é importante para a sociedade, descontruindo imagens estereotipadas lá fora e passando pano internamente.

A mudança precisa começar em nós, não podemos ser lembradas como covardes que se calam diante de tanta injustiça, de discursos bonitos, mas cheios de hipocrisia. Em resoluções de plenárias de nossas entidades (Centrais, Federações e Sindicatos) há tempos vêm se discutindo a necessidade de ampliar os espaços das mulheres, dando condições estruturais e políticas para atuar em todas as instâncias:

“O 8º CONCUT orientou, também, que em cada instância e entidade orgânica e/ou filiada à CUT, seja designada uma mulher que faça parte da direção, com liberação plena, para que coordene a elaboração e implementação de ações sindicais voltadas para a promoção da igualdade de oportunidades para as mulheres trabalhadoras e contribua para que o conjunto das políticas sindicais das respectivas instâncias e entidades considerem a especificidade da situação vivida pelas mulheres. ” (11ª PLENÁRIA NACIONAL DA CUT, 2005 p.48)

Mas o que realmente temos presenciado ao longo desse tempo?
Com pautas tão importantes a serem debatidas, como a legalização do aborto, a luta contra o feminicídio, melhores postos de trabalho, equiparação salarial e tantas outras, em pleno 2021 ainda estamos tendo que nos defender de ataques machistas, violência psicológica, humilhações e difamações dentro de nossas próprias entidades.

Se queremos mesmo mudar alguma coisa nesse mundo e resgatar a nossa dignidade, temos que trazer à tona algumas problemáticas dentro dos nossos grupos, e começar a mudança em nós. Não podemos esquecer que a questão de gênero fala sobre as relações sociais, fala do consentimento, de violência física e psicológica. E para debater esse consentimento e combater todas as formas de violência contra nós, é preciso que se abra espaço para falar sem medo. É preciso enfrentar a luta contra a opressão e o machismo nas nossas entidades, que tem que ser compreendida e combatida com exemplos práticos.

Não dá para ficarmos emitindo notas de repúdio para comportamentos machistas externos e ignorando, ou sendo coniventes, com comportamentos iguais ou piores internamente:

“É a partir dessas ações que viemos à público repudiar as ações do deputado. Derrotar o bolsonarismo, o autoritarismo, o militarismo e o machismo no Brasil é tarefa do movimento sindical e dos movimentos populares de esquerda. Só assim teremos um Brasil mais próximo do que sonhamos.” (São Paulo, 18 de fevereiro de 2021 Direção da CUT-SP)

A impressão que temos é que na medida que fomos rompendo com algumas dificuldades políticas e financeiras dentro do movimento sindical, algumas lideranças começaram a focar mais nas vantagens pessoais (financeiras, conjugais e de poder), e se desviaram do objetivo principal que é a revolução social que tanto buscamos. Perderam a disposição e argumentação para o debate e o espírito combativo, pois “nota de repúdio” não resolve nada na prática, apenas mostra nossa incapacidade de mobilizar nossas bases e a sociedade para demonstrar sua indignação com essas e outras atitudes que repudiamos, e nosso despreparo para usar o legislativo e o judiciário a nosso favor, quando necessário for.

Vale ressaltar que nosso texto aqui, não se trata de uma nota de repúdio e sim um texto expositivo de algumas práticas extremamente contraditórias com as bandeiras que levantamos, que tem por objetivo dar visibilidade a triste realidade das mulheres dentro do movimento sindical e, pela milésima vez, clamar por justiça, igualdade, solidariedade e respeito com as nossas lutas.

Não dá mais para agir com naturalidade diante de toda essa fragmentação interna que estamos alimentando, por conta das ambições e vaidades de alguns, que com seus discursos falidos, querem apenas seguir sugando as estruturas e brigando por posição e poder, apontando o dedo pra fora e fazendo muito pior internamente. E com isso, estamos perdendo a capacidade de politizar e mobilizar nossas bases para as lutas contra o nosso opressor externo, que segue avançando na sua agenda fascista e genocida, e, nós, continuamos perdendo, principalmente, a oportunidade de formar novos quadros para dar continuidade a essa luta tão importante e tão necessária nos dias atuais e para os tempos vindouros.

Se há esperança de mudança, somente o tempo e a nossa persistência em denunciar e lutar dirão. Um dia talvez, haverá um espaço democrático onde a mulher não escute um homem gritar: ” não vai falar”, ” aqui você não manda”, “você fala demais”, “conclua companheira”, “ela é louca” “você não está entendendo o que estamos querendo dizer”…

Estamos sim! E agora estamos tendo coragem para dizer basta!!! Estamos fazendo a nossa parte ao romper com o silêncio e gritando nossas dores. Talvez, algum dia, tenhamos uma organização sindical onde algumas mulheres, para agradar seus companheiros, não tentem nos silenciar. Talvez, algum dia, todas as mulheres se levantem e se lembrem que, segundo Paula Cohen (2018), “…as mulheres são como água, crescem quando se encontram” – e se disponham a lutar com toda garra contra a dominação masculina que domina o mundo e, infelizmente, está muito presente em nossas entidades sindicais.

A luta das mulheres sempre esteve diretamente ligada a luta dos trabalhadores, no entanto parece estar invisível, como se estivesse escondida sob uma “dominação masculina” (BOURDIEU, 1999).

Nesse 8 de março de 2021, nossa luta não é contra os homens, não é apenas por voz, espaço e poder. Nossa luta é por respeito e igualdade, sindicatos mais democráticos, politizados e presentes na base, mais fortalecidos e preparados para os embates externos.

8 de março de 2021.

Coletivo de Mulheres Urbanitárias da FNU – Federação Nacional dos Urbanitários