O edital de concessão dos serviços de água e esgoto sequer foi lançado à concorrência pública, e o estado já enfrenta o primeiro processo para tentar barrar a venda da Cedae. Sem estardalhaço, o prefeito Marcelo Crivella foi à Justiça, na última quinta-feira. Numa ação civil pública, com pedido de liminar, impetrada na Justiça Federal, a prefeitura quer suspender o processo licitatório e, posteriormente, anular a concorrência. Alega “flagrante violação ao contrato (de prestação de serviços, que a companhia tem com o município), à Lei, à Constituição da República e à decisão do Supremo Tribunal Federal” sobre a implantação da Região Metropolitana.

O contra-ataque vem sendo gestado há algum tempo. Só a petição inicial tem 120 folhas. Há ainda 69 anexos. A ação é assinada por quatro procuradores, tendo com autora a Fundação Instituto das Águas do Município do Rio (Rio-Águas). Os réus são o estado, a Cedae, e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que está à frente da modelagem da concessão.

O governador Wilson Witzel afirmou que não há vício no procedimento licitatório e que ainda não recebeu nenhuma comunicação da Procuradoria Geral do Estado sobre a ação (PGE). Mas adiantou que o estado vai recorrer. Ele reiterou o que informou ao presidente da Alerj, André Ceciliano, na última sexta-feira, de que não acredita que conseguirá concluir a desestatização da companhia ainda este ano. A Cedae é lastro de um empréstimo de R$ 2,9 bilhões, contraído em 2017 pelo ex-governador Luiz Fernando Pezão para colocar em dia os salários do funcionalismo público. Com juros e correção, o estado tem que quitar uma dívida de R$ 4,5 bilhões no fim deste ano.

— Diante do cenário de incertezas econômicas e conversando com o BNDES e a PGE, entendo que o ideal é termos um pouco mais de tempo para que a sociedade e os investidores conheçam todo o processo, a fim de ter um valor melhor de mercado. Não há intenção de retroceder. Este será um dos maiores processos de saneamento da História do Brasil. São oito bilhões de dólares de investimentos — disse o governador. — A União pode liquidar esse empréstimo, ficando com direito de crédito contra o estado, que tem como garantia as ações da Cedae. Ou o pagamento poderia ser postergado. Estamos em tratativas com o Ministério da Economia e com o Paribas. O adiamento não impediria a renovação do Regime de Recuperação Fiscal, porque o leilão está em andamento.

Na ação, a prefeitura alega que a competência constitucional do saneamento básico é municipal, sendo a prestação do serviço regionalizada. Lembra ainda que a legislação permite aos estados constituir regiões metropolitanas limítrofes para realizar funções públicas de interesse comum. Argumenta, porém, que, na licitação proposta, o Rio foi fatiado em quatro blocos, onde constam outros municípios fluminenses (são 62 atendidos pela Cedae, incluindo o Rio) não limítrofes e cujos interesses não são comuns.

Outra ponderação do município é que dispositivos da nova lei estadual que criou a Região Metropolitana em 2018 são objeto de ação  de inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça. Uma lei anterior, de 1997, teve dispositivos considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. A prefeitura entende que a Região Metropolitana fere a autonomia municipal. Foi a partir de uma decisão do Conselho Deliberativo da Região Metropolitana  — no qual tem votos, com diferentes pesos, 22 prefeituras, o estado e representantes da sociedade civil — que o governo levou adiante o procedimento licitatório.

— A ação que questiona a inconstitucionalidade da Lei Complementar 184, de 2018 (cria a Região Metropolitana) ainda não foi julgada. Os argumentos da prefeitura do Rio já foram rebatidos. A licitação da concessão da Cedae foi feita de acordo com a lei. Ela foi aprovada por 17 a dois pelo Conselho Deliberativo da Região Metropolitana  — diz o presidente do Instituto Rio Metrópole, Bernardo Santoro, órgão gestor da Região Metropolitana.

A Procuradoria-Geral do Município (PGM) falou apenas por e-mail.  Disse que o procedimento licitatório da Cedae é ilegal, “pois se baseia numa legislação inconstitucional”. Afirma que a a Lei que cria a Região Metropolitana, “torna a vontade do estado soberana à da cidade”. Segundo a PGM, “essa norma retira do município qualquer participação no processo e impede a autonomia municipal garantida pela Constituição”.

A capital gera 77% da receita da Cedae. Na ação, o município pede que o Ministério Público apure eventuais atos de improbidade e que sejam suspensas todas as atividades relacionadas à licitação, incluindo audiências públicas e publicação de editais. Para a próxima quinta-feira, esta marcada a primeira audiência pública. A segunda está agendada para 7 de julho.

“O exercício de um poder, qualquer poder, de modo abusivo, desvela como muito se sabe um ‘não poder’, diz um trecho da petição. E acrescenta: “No caso, malgrado as figuras do Instituto Rio Metrópole, da Câmara Metropolitana ou como mais se queiram designar os vassalos do Estado, menos ainda se justificam as ações impugnadas, todas elas, porque o objetivo finalístico não é outro senão o controle dos cadastros de usuários e a vantagem financeira para si, decorrente da outorga e da tarifação, sonegando aos municípios, reais concedentes quando em apreço os serviços de abastecimento, drenagem pluvial e escoamento de esgotos, uma participação substancial e adequada”.

A ação chegou nesta segunda-feira às mãos do juiz da 1ª Vara Federal do Rio, Mauro Souza Marques da Costa Braga. A prefeitura pede que ela tramite junto com outro processo contra a Cedae, que está  na 24ª Vara Federal, em que pleiteia 7,5% da receita mensal obtida pela companhia com a cobrança da tarifa na capital, como ocorre em São Paulo, além do envio de todo o cadastro técnico e os dados comerciais de sua operação no município.

Estudioso do tema, o economista Cláudio Frischtak, da Inter.B, afirma não ver base legal para a ação da prefeitura:

— Não conheço a legislação, mas a água que a capital usa vem de outro município, vem do Paraíba do Sul. E o esgoto que cai sem tratamento na Baía de Guanabara também afeta outros municípios. Essa ação é extemporânea, vai contra o interesse público.

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