Além de uma tenebrosa transação, entregar à iniciativa privada o controle da Eletrobras é uma operação temerária

Sempre que me deparo com textos em defesa da intenção do governo Bolsonaro de privatizar a Eletrobras, o trecho de uma canção de Chico Buarque e Francis Hime surge imediatamente na memória e ecoa como fundo musical até eu concluir a leitura daquele escrito. São alguns versos da canção “Vai Passar”, em 1984: “Dormia, a nossa pátria mãe tão distraída / Sem perceber que era subtraída / Em tenebrosas transações”. Mesmo depois de 30 anos, a música nunca esteve tão atual…

É impensável o Brasil abrir mão de sua soberania e se desfazer da autoridade de definir as tarifas cobradas pelo fornecimento de energia elétrica, além de como e onde serão realizados os investimentos no setor. A transação é mais tenebrosa e temerária ainda porque, em último plano, poderá comprometer a nossa segurança hídrica. Na prática, as empresas que adquirirem o controle acionário da Eletrobras poderão passar a gerenciar também as nossas principais bacias hidrográficas.

Segundo a imprensa, o governo pretende encaminhar ainda neste mês ao Congresso um projeto autorizando a privatização da Eletrobras. Nos moldes do que foi divulgado, o governo ficaria com 30% a 40% das ações da estatal. Todos nós que desejamos um Brasil soberano e com condições de oferecer um futuro mais digno para seus cidadãos devemos nos unir e trabalhar para evitar que o Parlamento atenda bovinamente aos caprichos do Palácio do Planalto, aprovando tal matéria. Imaginem os chineses ou as grandes companhias de outros países ricos ditando os destinos de parte dos nossos rios…

Além da temeridade da transação, se ela for concretizada, economicamente trará grande prejuízo. Nos últimos anos, a Eletrobras tem melhorado todos os seus indicadores. Em 2018, por exemplo, apresentou um lucro líquido de 13,34 bilhões. Nos últimos dez anos, pagou mais de 15 bilhões em dividendos à União. Estima-se que o governo federal apuraria 16,2 bilhões com a privatização da estatal. Os candidatos a compradores devem estar esfregando as mãos, tamanha a satisfação com a expectativa de fechar esse negócio.

Se recuarmos no tempo até 1995, recordaremos que o governo FHC usou os mesmos argumentos de hoje, quando iniciou a privatização do setor elétrico: barateamento do preço da energia oferecido ao consumidor, maior eficiência e aumento dos investimentos no setor e redução da dívida pública. Na vida real, o preço aumentou, os investimentos diminuíram e o País ficou às escuras, com o apagão de 2001. Bolsonaro e sua equipe econômica requentaram a mesma falsa premissa que vem sendo repetida ao longo dos anos.

Que o governo venda uma parte das ações, até pode ser considerado legítimo, porém, sem se desfazer do controle acionário da empresa. Também simpatizo com a sugestão do professor e ex-diretor da Petrobras, Ildo Sauer, de a Eletrobras reassumir sua função social e ter parte de seus lucros aplicados no financiamento da saúde e da educação. É uma ideia que merece ser melhor estudada. Porém, o fundamental é alertar a empresários, militares, agricultores, trabalhadores e à população de uma maneira geral sobre os riscos da operação. Parafraseando a canção, torço para que essa página infeliz da nossa história passe rápido.

Fonte: Carta Capital – Jean Paul Prates- Senador PT-RN